O mau exemplo vem mesmo de casa. Enquanto candidatos a concursos públicos em todo o Brasil perdem as esperanças com a proximidade do fim da validade dos certames, o Ministério do Planejamento publicou nessa quarta-feira, no Diário Oficial da União, a nomeação de 99 aprovados para o cargo de analista de Planejamento e Orçamento da carreira do próprio órgão. A medida contraria portaria publicada em 28 de março e assinada pela própria ministra Miriam Belchior. A norma, além de suspender, por tempo indeterminado, os efeitos de publicações anteriores que autorizavam a realização de seleções ou o preenchimento de cargos no Poder Executivo, determinava que outras nomeações só poderiam ser feitas com autorização expressa da ministra.
Pelo portaria, até mesmo os órgãos que haviam iniciado cursos de formação, embora pudessem concluí-los, dependeriam de nova autorização do governo para convocar os aprovados. A homologação do resultado final do concurso do Planejamento foi publicada em 1º de março. Conforme as regras do edital de
O Planejamento alegou que a ministra já havia citado, em fevereiro, que tanto o caso do cargo de analista de Planejamento e Orçamento quanto o de especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental seriam poupados da contenção de gastos, na ocasião do anúncio de corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União. Não por coincidência, essas são duas das carreiras do ministério. Na época, Miriam disse que analisaria com “lupa” os casos urgentes de concursos e nomeações.
Questionado sobre a necessidade de uma portaria específica que permitisse a nomeação, o ministério informou que “não faria sentido a ministra publicar uma autorização para o próprio órgão”. Além disso, justificou que os analistas nomeados ontem serão distribuídos em toda a Esplanada. Preocupado com a repercussão negativa, o Planejamento entrou em contato ontem com líderes de aprovados que aguardam convocações de outras seleções, como a do Banco Central. Em relação aos demais certames, a Secretaria de Gestão realiza levantamento dos processos seletivos. A previsão é que, em meados de maio, o documento seja analisado pela ministra.
Precedente
Para especialistas, como é responsável pelo ajuste fiscal, o Ministério do Planejamento deveria ter sido o primeiro a suspender as nomeações. “O órgão não poderia ter feito isso. Uma declaração da ministra não substitui a necessidade de autorização no Diário Oficial que ela mesma exige. Esperamos, agora, que isso abra precedente para que outros ministérios possam realizar convocações”, afirmou Carlos Eduardo Guerra, diretor do Centro de Estudos Guerra de Moraes e vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
A possibilidade de nomeações em outros órgãos é a expectativa da contadora Cleusa Martins Pitanga, 50 anos, que preside a Comissão dos Concursados do BC. “Parei de estudar quando passei na prova de 2009. Agora, estou perdendo as esperanças e penso em retomar a rotina de leitura”, desabafou. A seleção do BC perde a validade em 21 de junho, mas pode ser prorrogado por um ano.
Aprovada como excedente para a área de direito na seleção da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) em 2008, a advogada Cristina de Miranda Gomes, 36 anos, está contando os dias para ser convocada. Hoje, vence o prazo para nomeação dos cargos de técnico. Para candidatos de nível superior, o período vai até 31 de julho. “A nomeação feita pelo Planejamento fere o princípio da isonomia, pois as situações não estão sendo tratadas da mesma forma”, disse.
Ao que tudo indica, a convocação dos aprovados no Planejamento não é o primeiro precedente. Em 4 de abril, o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, nomeou 80 aprovados no concurso que formou cadastro de reserva para áreas como desenvolvimento tecnológico e gestão, planejamento e infraestrutura em ciência e tecnologia. O Inca esclareceu que, com base em exposição de motivos publicada em dezembro do ano passado, a Presidência da República permitiu o provimento de 1.083 vagas — ou seja, antes da suspensão das autorizações. Em janeiro, as convocações foram iniciadas, com previsão de término para maio.
Na avaliação de Clóvis Panzarini, sócio da CP Consultores, uma intervenção no quadro de pessoal do governo seria necessária para o país realizar o ajuste fiscal, mas o Ministério do Planejamento quebrou a regra. “Não sei o grau de necessidade de nomeação desses funcionários. Por mais que eles fossem importantes, o governo não poderia ter aberto a porteira”, observou.
A deputada Andreia Zito (PSDB-RJ), que solicitou à Câmara dos Deputados uma audiência pública para discutir as suspensões, avaliou que, embora o caso do concurso do Planejamento possa entrar nas exceções da portaria, a pasta pecou ao não publicar antes uma autorização específica. “Questiono o fato de haver vários comissionados no governo, enquanto concursados ficam do lado de fora”, contestou.
Negociações reabertas
A pressão dos servidores públicos deu certo. Ontem, o Ministério do Planejamento cedeu e retomou as conversas com os representantes do funcionalismo federal. “O governo vai negociar”, assegurou Duvanier Paiva, secretário de Recursos Humanos da pasta. Mas a primeira reunião com sindicatos no governo de Dilma Rousseff — que contou com a presença da ministra Miriam Belchior (na foto, ao centro) — não avançou em nenhum ponto específico da pauta de reivindicação da categoria. Paiva afirmou, contudo, que a mesa de negociação é democrática.
“Nela, cabe qualquer assunto”, disse. Constam da lista de reivindicação de 25 sindicatos e da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) a negociação coletiva no serviço público, a reabertura de concursos e a contratação de aprovados, além da paralisação da tramitação do projeto de lei que cria o fundo de pensão para os servidores — medida rejeitada pela categoria. Para conseguir a primeira audiência, antes do encontro os servidores fizeram uma intensa mobilização Esplanada dos Ministérios. (Vânia Cristino)