Na avaliação do diretor da Embraesp, Luiz Paulo Pompéia, o Brasil não se preparou para o boom no segmento da construção civil. Em 2008 e 2009, grandes investidores apostaram que a crise internacional não atingiria o país e continuaram aplicando recursos aqui, fazendo o número de novos empreendimentos crescer exponencialmente. “Os problemas ocorrem em todo o território nacional. Mas são mais graves nas cidades com atividade imobiliária intensa, como Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, Belém, Manaus e Salvador”, ressalta Pompéia.
Segundo as empresas, o principal motivo para a demora na entrega de imóveis é a falta de profissionais capacitados. Estudo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que a falta de mão de obra qualificada atinge 89% das construtoras. A escassez não se limita às vagas mais especializadas. Entre os empresários que enfrentam dificuldades com as contratações, 94% não encontram trabalhadores de nível básico, como pedreiros e serventes. “Esses profissionais não são formados. Eles são práticos. Quando comprovam experiência, chegam a receber mais do que os engenheiros na mesma obra”, diz o diretor da Embraesp.
Pelos dados da CNI, na avaliação de 61% dos empresários, a baixa oferta de mão de obra qualificada reduz a produtividade do setor. Para 59% dos entrevistados, ela compromete a qualidade das obras. Outros 57% dizem ter problemas com o cumprimento dos prazos. Quando se observa apenas o ramo da construção de edifícios, a proporção de empresários a afirmar que o principal impacto é a dificuldade em cumprir os prazos sobe para 64%.
O gerente executivo da Unidade de Pesquisa da CNI, Renato da Fonseca, explica que o descompasso entre a oferta e a procura por trabalhadores qualificados foi provocado pelo aumento do ritmo da indústria da construção civil nos últimos anos. “Se o empregado não é capacitado, ele não faz o serviço direito, ou demora muito mais tempo para terminar. Em muitos casos, o trabalho precisa ser refeito”, observa. Ele diz ainda que, na maioria dos casos, o profissional qualificado acaba ocupando todo o seu tempo para supervisionar e orientar os demais. “Dessa forma, a produtividade cai e os atrasos aumentam.”
Frustração
Há três anos, a professora Ana Paula Costa e Silva, 38 anos, imaginou que seria boa opção a compra de um apartamento em Águas Claras, onde já morava. A obra estava prevista para ser entregue em novembro de 2010, mas, até agora, Ana espera, com as malas prontas. A construtora não conseguiu finalizar as obras a tempo e estendeu por três meses o novo prazo, que se encerraria em fevereiro. Na data prevista, em vez de entregar as chaves, a incorporadora convocou os proprietários para vistoriar o edifício. Durante a visita, os clientes constataram falhas no acabamento, tanto dos apartamentos quanto das áreas comuns. Além de janelas que não fechavam, as cores da fachada eram diferentes das prometidas.
“Meu bebê nasceu em fevereiro. A nossa expectativa era estar morando no novo apartamento quando isso acontecesse. Vendemos nosso outro apartamento para poder quitar o novo. Agora, estamos na casa da minha sogra”, relata. Para o marido da professora, o servidor público Fábio Rodrigues, 41 anos, a maior decepção foi a falta de qualidade na obra. “A gente espera mudar até agosto. Se tudo der certo”, prevê.
O funcionário público Ginaldo do Nascimento, 45 anos, também enfrentou atrasos em obras. Em 2006, ele fechou a compra de um apartamento, que deveria ter sido entregue em dezembro de 2009. Mas a mudança só foi feita um ano depois. “Durante esse período, precisei gastar com aluguel”, reclama. Segundo ele, seu contrato previa prazo de carência de apenas 120 dias úteis, com multa mensal de 1% do valor total do imóvel. Nascimento entrou na Justiça para reivindicar o ressarcimento dos valores desembolsados com a moradia por causa da demora. “Esse não foi o único caso de atraso que enfrentei. Isso não aconteceria se a Justiça fosse mais rígida com essas empresas, punindo-as de maneira expressiva”, avalia.
Capacitação
O presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário no Distrito Federal (Ademi/DF), Adalberto Valadão, garante que, diante do cenário de escassez, os empresários têm se esforçado para minimizar os problemas por meio da capacitação dos trabalhadores. “Temos buscado alternativas para reduzir a necessidade de mão de obra, como a mecanização das atividades. O esforço tem sido grande, pois não queremos que as obras sejam entregues fora do acordado. O cliente quer se mudar na hora planejada”, observa.
As construtoras alegam que concentram esforços, também, para cumprir os prazos fixados nos contratos e diminuir o volume de clientes insatisfeitos. “Um dos principais desafios para 2011 será entregar as nossas obras nas datas fechadas com os clientes”, diz o executivo regional de uma das maiores incorporadoras do país.
Especialistas em direito do consumidor consideram fundamental que o proprietário observe todos os itens do contrato antes de fechar o negócio. O documento detalha condições que costumam causar aborrecimentos, como a cláusula de carência — prazo presente em quase todas as negociações, que permitem as construtoras estender a data de entrega do imóvel, considerando eventuais contratempos.
Multa
Construtoras usam o prazo de carência, que varia de 60 a 180 dias, para entregar imóveis sem enfrentar ações na Justiça. O deputado federal Eli Correa Filho (DEM-SP) apresentou um projeto de lei que propõe o fim da extensão da data de entrega. O texto está em análise na Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara e ainda deve passar pelas comissões de Direito do Consumidor e de Constituição e Justiça, antes de ser votado no plenário e seguir para o Senado. Se a proposta for aprovada, a empresa que descumprir o contrato poderá receber multa de 2% do valor do imóvel, além de pagar juros moratórios de 1% ao mês até a data de entrega.