A fonte de recursos para as construtoras e incorporadoras executarem empreendimentos imobiliários está secando. Amparado quase exclusivamente na captação da poupança, o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI) nacional busca a diversificação de recursos para manter o dinamismo do mercado. Isso porque, já no próximo ano, a caderneta de poupança, com saldo atual de R$ 302 bilhões, não terá mais condições de atender ao volume de financiamentos
que, em 2013, deve chegar à casa dos R$ 400 bilhões, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip).Para dar conta da expansão do crédito imobiliário, que nos últimos 12 meses chegou a R$ 60,1 bilhão, alta de 66% em relação ao mesmo período do ano passado, a alternativa mais atraente está na securitização, modelo em que os financiamentos – recebíveis – são empacotados, transformados em títulos – Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) – e negociados no mercado de capitais
O que parece um palavrão está virando a salvação da lavoura para o SFI brasileiro. Enquanto as empresas garantem novas fontes de recursos para tocar seus projetos imobiliários, os investidores veem surgir uma nova alternativa de aplicação financeira, principalmente aqueles que buscam investimentos de longo prazo. Isso porque para se desfazer do título, a opção está na venda no mercado secundário que, para esse tipo de papel, ainda não é muito desenvolvido no país.
Antes pouco acessível aos investidores pessoa física, já que o valor mínimo das operações era de R$ 300 mil, os CRIs estão se tornando uma realidade mais próxima do varejo. Isso porque a Caixa Econômica Federal (CEF) transformou uma parte de sua carteira de crédito imobiliário em um título, que será vendido no mercado de capitais. A boa notícia é que a aplicação mínima será de R$ 10 mil, muito inferior ao solicitado anteriormente. A emissão inicial será no valor de R$ 232,76 milhões e vai testar o apetite dos investidores por esse tipo de aplicação.
Estreia
Quem também estreou no mercado de securitização foi a construtora MRV, que lançou, há um mês, a primeira série de CRIs, com valor total de R$ 240 milhões. “Pretendemos fazer mais emissões porque essa será uma das alternativas de funding (financiamento) para o mercado”, avalia o presidente da empresa, Rubens Menin.
Até então, os principais aplicadores eram fundos de pensão , bancos e investidores qualificados. “Uma das grandes vantagens desse investimento está na isenção do pagamento de Imposto de Renda sob os rendimentos”, aponta o sócio da Uqbar, empresa especializada em securitização, Pedro Junqueira. Os indexadores desses títulos podem variar, sendo especialmente os índices gerais de preços ao consumidor (IGPs). No caso dos CRIs da Caixa, o rendimento previsto é de 10% mais Taxa Referencial (TR) ao ano.
Hoje, uma das formas mais disseminadas de acesso da pessoa física aos produtos de securitização são os Fundos de Investimentos Imobiliários. “Eles puderam ter como ativo títulos de lastro imobiliário”, explica Junqueira. Nessa situação, o investidor é cotista do fundo e consequentemente proprietário de uma parte do empreendimento, que pode ser um shopping ou um edifício comercial.
Na origem da bolha nos EUA
Uma das grandes dificuldades de popularização dos títulos das operações de securitização entre os investidores está na mitigação da imagem negativa que carregam. A securitização foi considerada a principal responsável pela bolha imobiliária norte-americana que estourou em setembro de 2008, dando início a uma das mais profundas crises financeiras mundiais. O grande risco está na inadimplência dos mutuários que, nos Estados Unidos, pararam de pagar as mensalidades da casa própria, cada vez mais caras à medida que os juros subiam para conter a inflação. Se os financiamentos não são pagos, a fonte de recursos se esgota, e toda a cadeia é prejudicada, inclusive o investidor.
No Brasil, os analistas são unânimes na avaliação da saúde do crédito imobiliário, que dificilmente chegariam ao cenário de subprimes, títulos com lastro fictício, popularizados como “podres”. Para o coordenador sindical do Sindicato da Indústria da Construção Civil de Minas Gerais (Sinduscon-MG), Daniel Furletti, as operações no Brasil são cercadas de atores responsáveis por diminuir os riscos.
Além das agências de riscos, que classificam a carteira e os agentes envolvidos na operação, ainda atuam na cadeia os services – responsáveis pela análise da carteira. A série de emissões de CRIs da Caixa recebeu classificação (rating) AAA devido, entre outras coisas, à elevada qualidade de crédito da carteira lastro da operação, superior à qualidade geral dos créditos imobiliários originados pela CEF. “O processo de securitização deve, em todas as suas etapas, buscar a melhoria creditícia com a incorporação de seguros e registros de cartórios”, pondera Furletti.
Na CVM Sem contar que os títulos devem ser registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que somente no primeiro trimestre já possui 10 operações no valor total de R$ 1,1 bilhão, contra R$ 2,1 bilhões em todo o ano de 2010. “Se temos uma boa seleção da carteira de clientes e há um histórico bom do ponto de vista de recebíveis – financiamentos imobiliários – tem-se uma boa fonte de financiamento”, observa o sócio da PwC, João Santos.
Ele ainda acrescenta que estamos muito longe da realidade americana. “Não existe no Brasil uma segunda e terceira onda de securitização. Não é um empacotamento como se tinha nos EUA”, garante. Lá, alguns imóveis chegavam a ter mais de uma hipoteca, conceito que no Brasil não é sequer disseminado. “Aqui as pessoas estão comprando o primeiro imóvel com um déficit habitacional enorme, sem a dimensão da especulação imobiliária alcançada nos Estados Unidos”, acrescenta Furletti.