Nova Serrana – Bombardeadas pela invasão do calçado chinês no mercado brasileiro, as fábricas de Nova Serrana, no Centro-Oeste de Minas Gerais, dão o troco e já começam a colher os resultados de uma reação que envolve mudanças da forma de trabalhar à estratégia para distribuir a produção. A indústria que batizou a “capital” do calçado esportivo, como o município é conhecido, aprendeu a organizar o processo de produção, criou departamentos próprios de design e desenvolvimento de produtos, investiu em inovação para bancar lançamentos até de mês em mês e se aproximou do comércio especializado de calçados. Mais que um crescimento entre 10% e 12% da produção e do faturamento no ano passado, as empresas que se deram bem na briga para deslocar os concorrentes do gigante asiático diversificaram a carteira de clientes, antes concentrada em Minas e São Paulo. As marcas locais conquistaram mercado no Nordeste e, inclusive, no Sul do país, grande produtor de sapatos e fornecedor de matérias-primas para o setor.
Em Nova Serrana e municípios vizinhos que formam um polo de 850 indústrias de calçados, 100 milhões de pares fabricados em 2010 e 20 mil empregos, qualidade, estilo, moda, inovação e tecnologia passaram a fazer parte do dia-a-dia do chão de fábrica, ao lado de uma nova prática de controlar de perto os indicadores da produção e da produtividade. Uma encomenda que levava mais de três meses para ser entregue, hoje sai das linhas de produção em cerca de 30 dias. Na prática, representa quase um terço do tempo necessário para o calçado chinês desembarcar nas prateleiras do varejo, estima Leonardo Mól, técnico do Sebrae Minas, que tem apoiado 60 empresas em programas para aumentar a eficiência e a capacidade de competir.
“Elas se viam pressionadas para oferecer produtos novos rapidamente e com inovação. Não há como parar mais”, afirma Mól. Há 18 anos no ramo, o industrial Júnior César Silva foi um dos primeiros a decretar vida nova na fábrica da Cromic. Especializada em tênis esportivo masculino, a empresa adotou o sistema de produção de ciclos rápidos da marca, ou seja, absorveu e pôs em prática o conceito de moda. A mudança foi radical, conta Júnior César, frente aos anos 1990, quando um único modelo era produzido durante dois anos e a realidade da fábrica em 2008, em que foram feitos três lançamentos.
Agora, ancorada sobre a estratégia da moda rápida, a fábrica desenvolve produtos e os entrega ao varejo num período ao redor de três meses. A produção de 40 mil pares diários cresceu 50% comparada ao início da década e deverá aumentar mais 20% este ano. Com 160 empregados, a marca alcança oito estados do Sudeste, Sul e Norte do país, além de exportar 8% da produção para Argentina. “Temos condições, hoje, de desenvolver todo o produto, contratamos um gerente comercial e passamos a trabalhar no pós-venda que antes nem existia”, afirma o industrial. De acordo com levantamento do Sebrae Minas, que trabalha desde 2008 com a implantação do sistema de produção de moda rápida nas fábricas de Nova Serrana, mais de 90% das empresas do polo adotaram o novo modelo produtivo.
É o caso da fábrica de Sônia Maria Ferreira e da irmã Sinaide Elizeth Ferreira, ex-empregadas do setor que 12 anos atrás investiram as economias e criaram a marca de calçados femininos Caroline. As mudanças começaram em 2008, sob pressão dos clientes aos quais Sônia Ferreira chegava a prometer prazos de entrega e volumes que não conseguia cumprir. Profissionalizar a gestão e organizar a produção foram medidas fundamentais para adquirir controle sobre o processo e a qualidade dos calçados. “Agora, temos modelista própria, uma equipe que cuida do design e controlamos do modelo à entrega. Com agilidade, os chineses não conseguem nos alcançar”, afirma Sônia Ferreira.
Mais chiques
A marca Caroline diversificou dos modelos concentrados nas vendas de verão para os calçados fechados, além de mirar no conceito de moda e no poder aquisitivo da classe C. A produção saltou de 2,4 mil pares por dia a 3,6 mil diários, o número atual de 240 funcionárias é 20% maior que quatro anos atrás e a empresa passou a atender cidades do Nordeste, além de Brasília, Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte. Diversificar representou avanços para a Winipeg, fabricante de calçados esportivos com 10 anos de atuação. A linha feminina foi lançada há cerca de quatro anos e se tornou uma grande aposta, segundo o industrial Alexandre Araújo. “Agora, tentamos sair na frente, com qualidade e preço compatível e conseguimos competir bem com os chineses”, afirma. A empresa produz 900 pares por dia, cresceu 15% no ano passado, e alcança quase todo os estados.
Outro sinal típico do novo cenário em que as fábricas de Nova Serrana estão trabalhando é a crescente procura pelo aperfeiçoamento de mão de obra na escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai-MG) abrigada no Sindicato local da indústria, o Sindinova. O Senai-MG investiu R$ 10 milhões na construção do Centro Tecnológico, que está em fase final de montagem para atender 600 alunos por ano, o dobro da capacidade atual. A unidade está sendo equipada com tecnologia de última geração em calçados. O Sindinova coordena um projeto envolvendo 30 empresas, com pedido de financiamento de R$ 3 milhões já encaminhado ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para novos investimentos na criação de produtos, gestão, logística, tecnologia e inovação.
* A repórter viajou a convite do Sebrae Minas