Pirapora (MG), Campo Alegre de Lourdes (BA) e Delmiro Gouveia (AL) – A riqueza produzida na Bacia do São Francisco enfrenta caminhos tortuosos para abastecer os mercados dentro e fora do vale. A subutilização da hidrovia Pirapora (MG)-Petrolina (PE) e a situação precária de boa parte da malha viária que acompanha o leito, com longos trechos de terra esburacados, freiam o desenvolvimento de cidades, aumentam os custos da produção e encarecem os produtos que chegam à mesa dos moradores.
Especialistas avaliam que, na década passada, os produtores pagavam R$ 0,056 para transportar, em carretas, uma tonelada de soja a cada quilômetro. Na ferrovia, o custo caía para R$ 0,016. Nas hidrovias, para R$ 0,009. “O modal hidroviário é reconhecido mundialmente como o transporte de menor custo e de menor impacto ambiental, sobretudo para grandes distâncias e cargas de baixo valor agregado”, ressalta Sebastião José Marques de Oliveira, superintendente de Administração da Hidrovia do São Francisco (Ahsfra). “Mas uma hidrovia somente cumprirá seu papel se houver a possibilidade de uso intermodal, o que ocorre no São Francisco. Temos ferrovia, rodovia, hidrovia e aeroporto tanto em Pirapora quanto em Petrolina”, acrescenta.
O governo federal promete revitalizar a hidrovia até 2014. A meta é destinar R$ 420 milhões para obras na calha do rio – desassoreamento e sinalização – e na restauração de portos, como o de Pirapora, onde a produção que chegar nas embarcações poderá ser estocada no Terminal Intermodal (TIP), inaugurado em 2009 pela Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), controlada pela Vale. De lá, a mercadoria segue até o Porto de Tubarão (ES) para ser exportada. O TIP gerou 20 mil empregos diretos e beneficiou produtores de Minas e da Bahia ao reduzir custos com as carretas, que antes precisavam ir a BH para abastecer os vagões que partem para o Porto de Tubarão.
“A economia com o frete rodoviário permitiu aos compradores (externos) pagar R$ 2 a mais por cada saca de soja embarcada aqui”, afirma Alexandre Lobo, engenheiro-agrônomo da Vale. O TIP embarcou 250 mil toneladas de grãos em 2009 e 700 mil em 2010. “Para 2011, a previsão é superar um milhão de toneladas”, diz Eduardo Caleia, gerente-geral de Fomento da FCA.
Buracos
O descaso do poder público com boa parte das estradas do vale também provoca prejuízo e torna as viagens perigosas. De Barra a Pilão Arcado, na Bahia, o motorista percorre cerca de 250 quilômetros de uma estrada de terra cheia de buracos e curvas acentuadas. “Os produtos chegam caros para nós e a margem do lucro fica pequena”, reclama Eleni Borges de Moura, de 47 anos. “O sonho de qualquer morador é o asfalto”, diz ela, dona de um mercado em Buritirama, na Bahia.
A fiscalização precária é outro problema. Diariamente, dezenas de paus de arara cruzam cidades da Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. “A viagem de Campo Alegre de Lourdes ao distrito de Jetuitara dura 2 horas na estrada de chão e custa R$ 12. Levo até 40 passageiros”, conta o motorista Darci de Souza, de 46. Empresários admitem, em sigilo, que falta vontade política para pavimentar os caminhos da região. “Algumas cidades recebem moradores do Piauí, que vêm fazer compras. Se o asfalto vier, o comércio será prejudicado porque muita gente vai preferir ir a Casa Nova, Juazeiro ou Petrolina”, conta um comerciante.
Um rio de volta ao debate
A série de reportagens publicada pelo Estado de Minas desde domingo sobre a economia do São Francisco reacende debate sobre a importância da bacia para o desenvolvimento do país, a necessidade de investimentos e sobre problemas nacionais que se refletem na região. Para o economista Frederico Mafra, professor de estratégia competitiva do Ibmec e consultor sênior da Global ON Consultores Associados, a falta de investimentos em infraestrutura é um dos pontos centrais de discussão. “A falta de infraestrutura, mais do que decisão econômica, é política, pois, dadas as potencialidades da região, não há falta de recursos”, avalia. O presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), Olavo Machado Júnior, chama a atenção para a invasão de produtos chineses no comércio de cidades ao longo do rio. “É um problema e tanto para a indústria”, admitiu. Para autoridades estaduais, as reportagens do EM reafirmam a importância do rio para o desenvolvimento do país. “O rio foi o responsável pela ocupação territorial e econômica do sertão pernambucano”, lembrou Geraldo Júlio, secretário de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco. Paulo Sérgio Machado Ribeiro, subsecretário de Política Mineral e Energética da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, destacou a perspectiva positiva aberta pela descoberta de gás na Região Central e no Noroeste do estado.
Navegando
Diário de bordo
Saímos de BH às 3h de uma segunda-feira para percorrer 5 mil quilômetros pela Bacia do São Francisco. Acompanhar o Velho Chico da nascente à foz não é tarefa fácil. Há longos trechos de estrada de chão. Dois deles atrasaram muito a viagem. Em Carinhanha (BA), soubemos que os 132 quilômetros até Bom Jesus da Lapa (BA) estavam intransitáveis. A alternativa foi passar pela BR-030, numa volta de 289 km. Ainda no agreste, levamos quase 12 horas para atravessar os 250 km entre Barra a Pilão Arcado. A grande quantidade de cabritos e jumentos às margens das precárias estradas do Nordeste também exige cuidado. Dalton Maia, nosso motorista, teve trabalho para desviar dos animais. No município de São Francisco, alugamos uma canoa por R$ 50 para ir à Ilha União, onde entrevistamos uma família cujo sobrenome homenageia o rio. O problema foi a canoa: buracos na embarcação permitiam a entrada de muita água, retirada com vasilhame de plástico. A viagem durou quase 45 minutos. A simpatia dos ribeirinhos é um capítulo à parte e pode ser resumida na fala de seu Arnaldo da Conceição, que ganha a vida na lavoura: “É a única abóbora que tenho em casa, mas pode levar para provar”. Educadamente, recusamos a oferta. (Paulo Henrique Lobato e Gladyston Rodrigues)