A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulgou nesta sexta-feira relatório sobre o trabalho infantil perigoso. Os dados mostram que há no mundo 115 milhões de crianças (7% do total de crianças e adolescentes) nesse tipo de atividade. Segundo o relatório, esse número é quase metade dos trabalhadores infantis (215 milhões). É considerado trabalho perigoso qualquer tipo de atividade que possa ser prejudicial à saúde e à integridade física e psicológica da criança.
O relatório também afirma que embora o número total de crianças entre 5 e 17 anos em trabalhos perigosos tenha caído entre 2004 e 2008, houve aumento de 20% na quantidade de crianças entre 15 e 17 anos nessas atividades, passando de 52 milhões para 62 milhões.
O documento diz que o maior número de crianças em trabalhos perigosos está na Ásia e no Pacífico, onde há 48,1 milhões. Contudo, é na África Subsaariana que se encontra o maior número proporcional de crianças em trabalhos perigosos - são 38,7 milhões para uma população total de 257 milhões. Na América Latina há 9,43 milhões de crianças desenvolvendo trabalho perigoso. Nas outras regiões, como a Europa e a América do Norte, há registro de 18,9 milhões de crianças nesse tipo de atividade.
O estudo afirma ainda que a redução do trabalho infantil perigoso foi maior para as meninas do que para os meninos. Entre 2004 e 2008 houve uma redução de 9% no número de meninos realizando trabalhos perigosos, enquanto no mesmo período a redução do número de meninas foi 24%.
A agricultura é o setor onde há o maior número de crianças trabalhando, 59% delas em atividade perigosa, com idade entre 5 e 17 anos. Fazem parte desse setor a pesca, a silvicultura, o pastoreio e a agricultura de subsistência. O restante está dividido entre o setor de serviços (30%) e em outras atividades (11%). O relatório diz ainda que pelos menos um terço das crianças faz trabalhos domésticos e não recebe nenhuma remuneração para isso.
O estudo afirma ainda que as crianças e os jovens que desenvolvem trabalho perigoso sofrem mais acidentes do que os adultos. O relatório cita que Agência Europeia para a Seguridade e Saúde no Trabalho chegou à conclusão de que os jovens tem 50% mais chances de sofrer alguma lesão do que os adultos.
O estudo lembra que no Brasil, foram registrados entre 2007 e 2009 mais de 2,6 mil lesões de trabalho em crianças. No Chile, em 2008, foram observadas mais de mil lesões em jovens com idade entre 15 e 17 anos.
Para acabar com o trabalho perigoso de crianças e de adolescentes em todo o mundo,o relatório recomenda a todos os governo que sejam tomadas medidas com base em três eixos. A primeira é que os governos devem assegurar que as crianças frequentem a escola até, pelo menos, a idade mínima permitida para o trabalho. Os governos também devem melhorar as condições sanitárias próximas aos locais onde é realizado o trabalho e adotar medidas específicas para jovens que tenham entre a idade mínima para trabalhar e 18 anos. Também devem ser adotadas medidas jurídicas para atuação contra o trabalho infantil perigoso, com a colaboração de empregadores e trabalhadores.
Perversidade
O diretor-geral da OIT, Juan Somavia, afirma que apesar de progressos alcançados por muitos países, o total de crianças e adolescentes envolvido em trabalhos perigosos ainda é alto. Segundo ele, os dados, por si só, mostram um lado perverso do atual modelo de desenvolvimento econômico. "A persistência do trabalho infantil é uma acusação clara ao atual modelo de crescimento. Combater o trabalho que põe em risco a saúde, a segurança ou o moral das crianças deve ser uma prioridade comum e urgente", disse.
Segundo ele, os governos devem intensificar esforços para cumprir os tratados assinados contra o trabalho infantil e, principalmente, aqueles que oferecem risco físico e psicológico aos jovens. "Os governos, empregadores e trabalhadores devem agir em conjunto para manter uma forte liderança na formulação e execução de políticas e ações que possam erradicar o trabalho infantil", afirmou.
A OIT pede que os países elaborem uma lista de trabalhos perigosos, conforme estabelecido em convenção da entidade. Segundo o documento, 173 dos 183 países membros da OIT ratificaram o convênio número 182, que proíbe o emprego de crianças nas atividades mais perigosas. Essas práticas incluem aquelas que colocam os menores em situações análogas à escravidão, as que os envolvem a atividades de prostituição e pornografia, as que empregam os jovens em atividades ilícitas e aquelas atividades em que é provável que cause dano à saúde, à segurança e ao moral das crianças.
Brasil é modelo
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirmou que a iniciativa do Brasil para erradicação do trabalho que oferece algum risco físico ou mental a crianças e adolescentes pode servir de "importante modelo" para outros países, especialmente os de grande extensão geográfica. De acordo com o relatório "Crianças em trabalhos perigosos: o que sabemos, o que precisamos fazer", divulgado hoje, o País foi um dos primeiros do mundo a compilar dados sobre o trabalho infantil.
A iniciativa levou, mais adiante, à criação do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), que hoje ajuda até países vizinhos a detectar lesões e doenças causadas pelo trabalho em crianças. A OIT credita o sucesso do programa que busca manter na escola as crianças em situação de risco à associação com o Bolsa Família. "A força do Peti se deve à associação com um programa de maior envergadura, o Bolsa Família", afirma o documento, em referência ao programa de transferência de renda do governo federal.
De acordo com a OIT, tanto o Peti quanto o Bolsa Família se sustentam em uma ampla rede em que participam representantes das áreas de educação, bem-estar social e trabalho, além de outras organizações da sociedade civil. O relatório destaca ainda um "inovador" curso de formação a distância para ensinar trabalhadores da saúde a reconhecer e a registrar doenças e lesões decorrentes do trabalho de menores de 18 anos e que, em 2011, tem ajudado "países limítrofes da região, em particular Bolívia, Equador e Paraguai, a estabelecer sistemas de vigilância similares".
"Apesar de se poder afirmar que o Brasil é um país de renda média e, por isso, não é comparável a outros que lutam contra o trabalho infantil perigoso, sua magnitude em termos de superfície e população, assim como de pobreza, sugere que ele pode servir de importante modelo para outros, em particular, para países grandes", afirma a OIT.