O consumidor brasileiro está no fio da navalha, apertado para pagar os compromissos financeiros assumidos com o banco, cartão de crédito, comércio e até com os serviços básicos, como a conta de telefone, água e energia elétrica. Em maio a taxa de inadimplência no país, medida pelo Serasa Experian, cresceu 8,2% em relação a abril, sendo a maior desde março de 2010. Para o consumidor que enfrenta juros que superam os 120% ao ano para pessoa física, além da pressão inflacionária que engole a renda, quitar as dívidas se tornou um desafio. Em comparação com maio do ano passado a alta da inadimplência atingiu 21,7%.
Na ponta do consumo, a alta da inadimplência já assusta o comércio. O Sindicato dos Lojistas do Comércio de Belo Horizonte (Sindilojas), por exemplo, está revisando para baixo a projeção de crescimento do segmento, para o semestre e também para o ano. Segundo o presidente da entidade, Nadim Donato, no semestre a expectativa de crescer 5%, feita no início do ano caiu para 2% agora e no ano, a estimativa de 9% caiu para 6%. “Já estamos sentindo na pele o endividamento dos consumidores”, diz Donato apontando como um dos reflexos diretos da inadimplência a desaceleração do consumo.
As cores berrantes dos anúncios de cartões de crédito aceitos nas lojas populares do Centro de Belo Horizonte são convidativas, mas a desempregada Simone de Souza quer distância deles. “Deus me livre, crédito nunca mais”, desabafa a ex-atendente de telemarketing. Na tarde dessa terça-feira, ela constatou, em consulta ao Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), na Câmara de Dirigentes Logistas de BH que a batalha para limpar seu nome, que se arrasta por cinco anos, ainda vai demorar: “Tenho ainda três dívidas, de cartões de crédito, para negociar e o que mais quero é pagar e limpar o nome; é muito difícil depender dos outros”, afirma.
Dívidas com banco pressionam conta
A alta do indicador foi pressionada por todas as modalidades de inadimplência pesquisadas, sendo que as dívidas com os bancos representou a maior pressão com um avanço de 9,7%. As contas com mais de 90 dias em atraso com cartões de crédito, financeiras, lojas em geral e prestadores de serviço, como telefonia, energia elétrica e água cresceram 5,1% em maio em relação a abril. Os chamados borrachudos, ou cheques sem fundos, registraram alta de 11,5%. No período, o crescimento dos títulos protestados atingiu 20,7%.
Consumidores preocupados em colocar as dívidas em dia e crédito mais apertado tendem a frear o consumo. Na loja Ricardo Eletro da Rua Curitiba, no Centro de Belo Horizonte, as vendas em junho crescem em ritmo menor, uma vez que o próprio consumidor, já comprometido, evita o parcelamento excessivo – o crédito também já é inibido, com liberação mais exigente. A coordenadora do Departamento de Economia da Fecomércio MG, Silvânia Araújo, alerta que a inadimplência é um indicador que precisa ser monitorado com atenção uma vez que inibe a queda dos juros acentuando a fragilidade do setor.
Na análise da Serasa Experian, em julho o indicador deve recuar, voltando a crescer no segundo semestre. “A redução do consumo deve ser mais fortemente sentida no terceiro trimestre deste ano”, aponta Carlos Henrique Almeida.
Dívida alta
O gerente comercial Antônio Carlos Maioli tenta recuperar o nome, a partir da renegociação de dívida com a operadora do cartão de crédito do supermercado. Desde que ficou desempregado, viu a bola de neve do débito tomar proporções assustadoras. “O problema é que a dívida só aumenta, com juros absurdos, já está em R$ 2,5 mil. É difícil pedir a negociação e os juros não abaixam”, queixa-se. Pedir empréstimo a juros menores é possibilidade que ele não vislumbra: “Não compensa tampar um buraco e abrir outro”.
A analista da Ativa Corretora Luciana Leocádio, diz que a tendência para este ano é que haja um incremento leve nas taxas de inadimplência já que as medidas macroeconômicas do governo de elevação das taxas de juros e do custo das operações financeiras devem contribuir para frear o consumo. O valor médio das dívidas com bancos de janeiro a maio de 2011 apresentou recuo de 3,8% em relação ao mesmo período de 2010. No mesmo período as dívidas não bancárias recuaram de 19,8%. Já o valor médio das dívidas resultantes de cheques sem fundo (R$ 1.302,49) e títulos protestados (R$ 1.279,84) cresceram respectivamente 6,7% e 10,2%. “As classes de mais baixa renda têm uma possibilidade grande de se endividarem mais, já que estão menos habituadas a lidar com o crédito”, diz Almeida.