Brasília – Uma verdadeira operação de guerra foi montada em Brasília nas últimas semanas. Mas, em vez de soldados e armas, advogados e papeis foram os elementos utilizados na batalha. Os defensores da Brasil Foods –empresa criada depois de Fernando Furlan fechar a venda da Sadia para a Perdigão, de Nildemar Seeches, em maio de 2009 – fizeram quatro visitas ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) durante este mês. As reuniões mobilizaram pelo menos 10 pessoas, entre advogados, economistas e diretores da empresa, e custaram cerca de R$ 10 milhões aos cofres da companhia. O objetivo da missão era claro: ganhar tempo para convencer os conselheiros do órgão antitruste de que a nova companhia alimentícia é fundamental para o mercado global. A movimentação deu certo. Nessa quarta-feira, o conselheiro Ricardo Ruiz pediu adiamento do processo que vai determinar o futuro da Brasil Foods.
Mas o parecer contrário ao negócio, do relator Carlos Ragazzo foi um banho de água fria nos planos da empresa. Pior: fez com que a companhia perdesse cerca de 10% de seu valor de mercado, estimado atualmente em R$ 22,8 bilhões. Em seu voto, Ragazzo lembrou que as duas marcas são donas de mais da metade do mercado de alimentos processados no país e que alguns itens poderiam ter aumento de até 40%, por falta de concorrência.
Para amenizar os danos e tentar reverter o quadro, os advogados da empresa correram para agendar outros dois encontros, agora envolvendo também os conselheiros Alessandro Octaviani e Marcos Veríssimo. O último deles foi realizado na noite de segunda-feira, às vésperas da retomada do julgamento.
Ações A blitz valeu a pena. Após pedir vista do processo, Ruiz pediu um novo adiamento, alegando que as argumentações da empresa e as propostas apresentadas precisariam de mais tempo para serem analisadas pelo Cade. Na saída do julgamento, o vice-presidente de assuntos corporativos da Brasil Foods, Wilson Mello, disse que acredita em uma "solução negociável" para o impasse. "Sempre buscamos junto ao conselho uma forma de pacificar essa questão. Esse adiamento será importante para encontrar uma alternativa satisfatória, que não é interesse apenas da empresa, mas do conselho, do país e dos consumidores, de forma geral", afirmou. O anúncio animou os investidores. As ações da Brasil Foods fecharam o dia em alta de 0,20% – resultados ótimos, se comparado com o desempenho dos últimos sete dias, que apresentou perda de 6,20%.
Questionado sobre qual seria a forma mais adequada para atender às solicitações do Cade, Mello disse que ainda era prematuro determinar as ações que a empresa adotaria. "Do ponto de vista do que nos foi solicitado, nós entendemos que cumprimos tudo o que nos foi pedido. Porém, no momento, precisamos é de tranquilidade e tempo, para poder mostrar aos demais conselheiros, com calma, nossos argumentos a fim de solucionar essa questão de uma vez por todas", disse.
Batalha não deve ser fácil
Mas a batalha para aprovar a Brasil Foods não será nada fácil. O presidente do Cade, Fernando Furlan, se declarou impedido de votar, por ser primo de Luiz Fernando Furlan, o líder do conselho administrativo da Brasil Foods. Já o conselheiro Elvino Mendonça preferiu não participar da votação, por já ter participado do processo quando ainda fazia parte da Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), órgão do Ministério da Fazenda que analisa previamente os processos que passarão pelo Cade. Com a negativa de Ragazzo, os advogados da empresa precisarão conquistar três dos quatro conselheiros que ainda não apresentaram seus votos. Não por acaso, o foco das reuniões tem sido com esses integrantes, além de Ricardo Ruiz, único economista envolvido no julgamento e que tende a ser mais maleável, pela importância econômica da negociação.
Quando o processo de fusão passou pela Seae, o governo determinou dois caminhos possíveis para validar o negócio. A primeira envolveria a venda de ativos e de uma das marcas, Sadia ou Perdigão. A empresa que adquirisse um desses nomes poderia se aproveitar do prestígio e da popularidade entre os consumidores por pelo menos cinco anos. Com o uso, o acesso a pontos de venda, estruturas logísticas e fornecedores também seria facilitado. Especialistas acreditam que várias empresas concorrentes gostariam de aproveitar a situação e conquistar a posse de um dos nomes, mesmo que por um curto prazo de tempo, pois isso abriria as portas no mercado competitivo.
Se a Brasil Foods quiser manter os dois nomes principais, outras pequenas empresas do grupo precisariam ser vendidas. Os nomes sugeridos pela Seae foram: Batavo, Rezende, Confiança, Wilson, Escolha Saudável, Doriana, Claybom e Delicata. Além disso, precisariam ser negociados outros ativos que correspondam a participação dessas marcas no mercado, considerando a média de vendas dos últimos três anos. Outros programas promocionais também deverão ser levados ao Cade, segundo a proposta da Seae.
Congresso
A demora na decisão do Cade tem prejudicado bastante a empresa. O caso da Brasil Foods está no conselho há mais de um ano. Analistas acreditam que a nova estruturação do órgão, que tramita no Congresso Nacional, poderia dar mais celeridade nos processos e reduzir os danos às empresas que realizam grandes negociações. Uma das emendas, elaboradas pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), prevê que o Cade analise os casos em um prazo de até 120 dias, e diminuindo o número de casos que seriam analisados. O órgão, do jeito que está hoje, não é bom para o país, segundo ele. "Questões mesquinhas, atrasadas e pequenas criam embaraço a todo grande movimento de fusão e incorporação, trazendo grandes danos ao desenvolvimento e fortalecimento da economia brasileira", disse o senador.
Repercussão no setor
Enquanto o Cade não determina o futuro da Brasil Foods, as empresas de menor porte torcem para que o Cade rejeite a fusão, que ameaçaria a concorrência no mercado brasileiro. Neivor Canton, presidente da Cooperativa Central Oeste Catarinense Aurora, disse que está apreensivo com o resultado da decisão, que, caso seja aceita pelo órgão antitruste, pode gerar uma concentração prejudicial a pequenos produtores. "Será muito bom se essa empresa tiver atuação no exterior, mas não existe lei que proíba sua participação no Brasil, o que vai acabar com as pequenas empresas", ressaltou. Porém, há quem defenda que a representatividade no cenário global é mais importante. "A criação da Brasil Foods garante a manutenção de milhares de empregos e não trás riscos para outras empresas do setor”, disse o presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), Pedro Camargo Neto.