A política da Prefeitura de Belo Horizonte que remanejou, em 2003, os mais de 2 mil camelôs e toreiros que atuavam na área central para shoppings populares, como Oiapoque e Xavantes, completará oito anos em agosto. Apesar de o município ter posto fim à atividade no perímetro interno da Avenida do Contorno, importantes ruas comerciais distantes dali se transformaram numa espécie de camelódromo, prejudicando as vendas de lojistas que pagam os impostos em dia e precisam disputar a clientela com barracas de madeira, ferro ou caixas de papelão montadas, às vezes, em frente a suas empresas.
“É difícil competir com eles”, lamentou um lojista que prefere o anonimato por temer represália. “A fiscalização até que vem aqui, mas eles (os camelôs) sempre voltam”, acrescentou. A boa margem de lucro obtida por muitos camelôs explica o por que centenas de homens e mulheres desafiam, diariamente, o trabalho dos fiscais da prefeitura. “Ganho cerca de 30% em cada CD ou DVD”, revela Joana (nome fictício), dona de uma barrada de madeira na Abílio Machado, onde vende duas unidades por R$ 5. Ela adquire os produtos – diga-se de passagem pirateados – em shoppings populares da cidade. Em 2010, recorda, foi detida por policiais militares e ficou oito dias presa.
“Em vez de a PM correr atrás de ladrão, veio aqui e me levou juntamente com dois amigos. Fiquei no meio de marginais, traficantes... Recebo um salário mínimo (R$ 545) de aposentadoria e preciso de complementar a renda. Tenho 59 anos e não merecia passar por aquilo”, reclamou dona Joana sem saber a dimensão das vendas ilegais que pratica. Ela já teve um boxe num dos shoppings populares do Centro da capital, mas, diante do custo com energia elétrica e despesas administrativas, não conseguiu se manter lá. Resultado: “Estou há seis anos (nesta calçada)”.
“Todos aqui agem na informalidade. Não há como pagarmos impostos”, emenda seu José (nome fictício), que vende água de coco próximo a dona Joana. A Regional Noroeste não esclareceu quantos camelôs atuam na região e o número de apreensões feitas pelos fiscais. Por e-mail, o órgão informou que a lei municipal prevê “apreensão imediata de equipamentos e mercadorias” e que “a ação fiscal é realizada, semanalmente, conforme escala e apoio da Polícia Militar. Salienta ainda que as fiscalizações continuarão sendo realizadas em respeito às leis em vigor em busca do interesse público”.
Multa
Assim como a Abílio Machado, vias do Barreiro são alvos de vendedores informais, que buscam lucro junto aos moradores da região e de cidades vizinhas, como Ibirité e Contagem. A regional local registrou, de janeiro até julho, 80 apreensões de mercadorias. O infrator está sujeito à multa de R$ 528. Já em Venda Nova, onde várias barracas ocupam o último quarteirão da Rua Civilização, no Bairro Lagoinha, quase no limite com Ribeirão das Neves, a regional não tem a estatística de apreensões.
Lá, há principalmente vendedores de óculos escuro, calçados e, principalmente, CDs e DVDs. As barraquinhas com filmes pirateados, quase sempre, estão rodeadas de clientes. A maioria dos camelôs vende cinco unidades por R$ 10. Mas, atentos à fiscalização, eles não exibem toda a mercadoria em via pública. Parte dos produtos fica guardada em carros estacionados na região ou na casa do próprio informal. “É difícil competir com os camelôs, pois eles não pagam impostos e funcionários. A fiscalização precisa ser maior”, reclamou um lojista que também precisa se esconder sob o anonimato.
Memória
Mais do mesmo, 15 anos depois
Há 15 anos, a prefeitura iniciou o processo que culminaria com a retirada dos camelôs das ruas. Na época, os ambulantes se dividiam em três grupos - credenciados, toreiros (vendiam seus produtos “na tora”, sem licença) e artesãos. Com a fiscalização, que se intensificou, os três grupos se organizaram e suas lideranças resistiram muito. Eventualmente, passeatas acabavam em quebradeira, com lojas fechadas às pressas sob proteção da polícia. Com o tempo, a resistência foi vencida e os ambulantes, transferidos para os camelódromos, tanto no Centro quanto nos bairros. Agora, novas gerações voltam aos passeios da periferia. Do outro lado, varejistas, de novo, se ressentem da concorrência desleal, que não gera emprego nem recolhe impostos. (Liliane Corrêa)