O aumento de 0,25 ponto percentual na taxa básica de juros na economia (Selic), anunciado quarta-feira pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), pode funcionar como mais uma gota no oceano de dívidas em que estão mergulhadas as famílias brasileiras. A taxa do BC, que subiu pela quinta vez desde janeiro e chegou a 12,50% ao ano, serve como indicação do rumo a ser tomado pelos juros na ponta do varejo – cartão de crédito, cheque especial e empréstimos pessoais. Isso indica que, quando ela aumenta, os juros tendem a se elevar, o que torna cada vez mais cara a rolagem das
dívidas. O avanço da Selic também pesa no bolso das empresas e tende a reduzir as taxas de investimentos no país. Do início do ano até agora, a Selic já aumentou 1,75 ponto percentual. Descontada a inflação, os juros no Brasil são os mais altos do mundo .Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) mostra que em julho de 2011 o percentual de famílias com dívidas é superior ao observado em julho de 2010. Mais famílias declaram possuir dívidas ou contas em atraso, tanto na comparação anual como na comparação mensal. Em julho de 2010, 57,7% das famílias brasileiras estavam endividadas, percentual que subiu 63,5% em julho de 2011. As dívidas atrasadas atingiam 22,8% em julho de 2010 e agora atormentam 23,7%. A boa notícia é que a parcela dos que afirmam que não têm condições de pagar o que estão devendo caiu de 8,9% em julho do ano passado para 8,1% em julho de 2011.
Ana Paula da Silva Gomes, telefonista, faz parte do grupo dos bastante endividados, como ela mesma define. Com um salário de R$ 545, ela paga um curso de turismo e hotelaria e um de inglês. Os dois compromissos ultrapassam a sua remuneração mensal. “Paguei uma das parcelas do cursinho de inglês que estava atrasada e ainda devo outra. Além disso devo R$ 400 que gastei comprando roupas e sapatos. Além disso, tenho uma prestação da C&A atrasada há quase um ano.” Essa última dívida já tinha sido negociada e foi dividida em três parcelas. Mesmo com a renegociação, Ana Paula não conseguiu honrar o compromisso.
Situação semelhante é vivida por Camila Patrícia da Silva Borges, auxiliar de escritório que é colega de trabalho de Ana Paula. “Estou com uma parcela do cartão de crédito atrasada há um bom tempo.” Segundo ela, há mais de três meses, o que, para as entidades de proteção ao crédito, já configura inadimplência. Mas essa não é exatamente uma novidade na vida de Camila e na de milhares de brasileiros que, diante da ampla oferta de crédito e dos apelos do mercado de consumo, acabam deixando um pedaço de suas dívidas de lado e formando outras, de modo que estão sempre endividados. “Dá agonia demais. Por causa da faculdade, não me sobra muito. Mesmo assim, ainda faço compras”, admite.
Dispostos a pagar
Carlos Thadeu de Freitas Gomes, economista-chefe da CNC, explica que, apesar da piora do endividamento entre julho de 2010 e julho de 2011, os endividados se mostram mais predispostos a pagarem suas dívidas por causa da melhora do mercado de trabalho. Losângela Rafaela Justino, chefe de supervisão de atendimento, faz parte dos felizardos que, aos poucos, estão conseguindo quitar suas dívidas. Ela confessa, porém, que, quando quer comprar algum produto do qual gostou muito, ignora até mesmo a incapacidade de pagar a totalidade da prestação parcelada no cartão de crédito e se arrisca a pagar 12,99% de juros ao mês. “Sei que os juros são altos, mas quando quero muito alguma coisa não me importo.”
Na avaliação dos especialistas em crédito, porém, os juros praticados no Brasil já estão em patamares tão altos que haverá pouco espaço para avançarem na ponta dos financiamentos, apesar da elevação da Selic. É o que afirma Miguel José Ribeiro Oliveria Gomes, vice-presidente da Associação Nacional de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). “Seja qual fosse a elevação da Selic, pouco impacto ela teria nas taxas de juros das operações de crédito”, diz. Gomes, da CNC, concorda. Para ele, a própria concorrência entre as instituições financeiras poderá barrar a elevação dos juros ao consumidor neste momento.
Saiba mais
Santa dos endividados
Invocada no Brasil como protetora dos pobres e endividados, Santa Edwiges nasceu em 1174, na Alemanha. Casou-se com Henrique I, príncipe da Silésia (Polônia), com quem teve seis filhos. Interferiu na elaboração de leis mais justas para o povo. Com a morte do marido, retirou-se para o mosteiro, vivendo com uma renda mínima e usando o restante para socorrer pobres, enfermos, idosos, encarcerados e endividados. Em visita a um presídio descobriu que muitos estavam ali por não poderem pagar suas dívidas. Socorreu-os, saldando seus débitos.