As famílias das vítimas da catástrofe do voo Rio-Paris e o poderoso sindicato francês dos pilotos de pilotos de voos comerciais (SNPL) manifestaram a sua revolta nesta quarta-feira após a revelação de que uma recomendação desfavorável à Airbus havia sido retirada do último relatório da investigação sobre o acidente. Para a associação Entraide et Solidarité AF447 (Ajuda Múta e Solidariedade AF447), que representa as famílias das 228 vítimas da tragédia, a investigação técnica realizada pelo Escritório de Investigações e Análises (BEA) está "definitivamente desacreditada". "Esse triste episódio joga definitivamente o descrédito sobre a investigação técnica" e "gera uma crise de confiança sem precedentes em relação às autoridades de investigação", declarou Robert Soulas, presidente da associação. "A precipitação com a qual essas autoridades e esses responsáveis acusaram os pilotos sem reflexão alguma anterior havia suscitado nossa suspeita", acrescentou. "Temos agora a confirmação de que as afirmações provenientes da tutela do BEA foram prematuras, desprovidas de objetividade, parciais e muito orientadas para a defesa da Airbus". O SNPL exigiu explicações sobre essas "graves revelações" que "comprometeram seriamente" sua confiança no BEA. À espera de saber se o relatório sofreu "outras modificações significativas", o sindicato pediu ao seu próprio investigador "que suspenda sua participação nos trabalhos" do BEA. "O príncipio de um relatório em etapas, não é de esperar o relatório final para melhorar a segurança dos voos", disse à AFP Jean-Louis Barber, presidente do SNPL da Air France. "Nunca houve uma investigação tão transparente", reagiu o ministro francês dos Transportes, Thierry Mariani, consultado pela AFP. O BEA trabalha sob a tutela de seu Ministério com "um vínculo administrativo e orçamentário, mas de forma alguma hierárquico", ressaltou. O último relatório do BEA, divulgado na sexta-feira, expôs uma série de falhas dos pilotos do Airbus A330 da Air France, que caiu em 1º de junho de 2009. Segundo os jornais Les Echos e La Tribune, o documento teve parágrafos inteiros cortados apontando o funcionamento anormal do alarme de estol dos A330 e uma recomendação para aperfeiçoá-lo foi retirada. Esse tema é tão espinhoso que as consequências econômicas deste caso são enormes para a Air France e para a Airbus. O alarme de estol soa quando o avião enfrenta problemas de sustentação no ar. O Airbus A330 da Air France caiu no Oceano Atlântico após uma queda vertiginosa de 11.500 metros em menos de três minutos. "O diretor de investigações do BEA quis retirar esta recomendação do relatório da etapa porque deve ser completada pelos trabalhos realizados pelo grupo de trabalho 'fatores humanos' e aviônicos", justificou à AFP uma porta-voz do BEA. "A Airbus dizia que o A330 não podia estar em situação de perda da sustentação e que não era necessário treinar os pilotos para esta situação", disse Jean-Louis Barber. O BEA reconheceu em seu relatório a importância provável do alarme de estol na confusão da tripulação porque este era ativado a todo o momento, incluindo quando o piloto efetuava as manobras corretas, ou se desativava durante a queda da aeronave. Ele explicou que o alarme é programado para se desativar quando a incidência (ângulo do avião) é grande demais, mesmo se a aeronave estiver em situação de perda de sustentação. No entanto, o documento que contém dez recomendações não possui uma recomendação relativa a esse alarme. A Air France indicou ter enviado uma mensagem à Agência Europeia de Segurança Aérea (AESA) para pedir que esta questão seja rapidamente reexaminada. A companhia já tinha se manifestado na semana passada para ressaltar que sua tripulação tinha sido "fortemente" prejudicada pelas "múltiplas ativações e paradas intempestivas e enganosas do alarme de estol". Ela indicou que o congelamento das sondas Pitot da fabricante Thales, medindo a velocidade do avião, havia sido "o evento inicial que causou a desconexão do piloto automático". Até este momento, o congelamento dessas sondas era a única falha técnica confirmada, mas os investigadores sempre consideraram que apenas isso não poderia explicar o acidente. O relatório final do BEA deve ser apresentado em 2012. A justiça francesa deverá se pronunciar depois sobre as responsabilidades neste caso, no qual Airbus e Air France são acusadas de homicídio culposo.