Brasília – Os brasileiros que costumam acompanhar as suas aplicações em bolsas de valores estão assustadíssimos. Não sem motivos. O patrimônio investido em ações está encolhendo dia após dia, solapado pela crise nos Estados Unidos e na Europa. Dados da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) mostram que, desde o início do ano, as perdas já chegam a R$ 257,9 bilhões. Esses prejuízos podem ser medidos pelo valor de mercado de todas as empresas listadas no pregão paulista e vislumbrados por meio das cotas dos fundos de ações, com saldos cada vez menores.
"A situação está feia. Nessa quarta-feira, o pânico tomou conta das negociações, devido à preocupação com os EUA, que podem mergulhar na recessão, e a Europa, cada vez mais encrencada", diz Demétrius Borel Lucindo, economista da Prosper Corretora. Para ele, a sensação é de que uma bomba-relógio está ligada e pode ser detonada a qualquer momento, caso países como a Espanha e a Itália entrem em colapso. "São dúvidas como essa que estão movendo a irracionalidade que tomou conta dos investidores. Tomara que essa onda passe logo. A sensação é de que já chegamos ao fundo do poço", acrescentou.
Dominado pelo nervosismo, o Ibovespa, índice que mede a lucratividade das ações mais negociadas na bolsa brasileira, encerrou o pregão com baixa de 2,26% (a segunda maior do ano), aos 56.017 pontos, o menor nível desde setembro de 2009. No acumulado do mês, a queda chega a 4,77% e, no ano, a 19,17%. "Mesmo com todas as incertezas lá fora, não há nada que justifique tamanho derretimento do mercado acionário brasileiro. Aqui, o consumo continua forte e as empresas listadas na Bovespa, lucrando como nunca", destacou o economista da Prosper. Ele não descartou, porém, a possibilidade de a bolsa ceder ainda mais, caso o Ibovespa rompa o suporte dos 55 mil pontos. Para isso, basta cair 3,5%.
Índices melhores
Na avaliação dos especialistas, o futuro do mercado acionário está atrelado ao que os governos das maiores economias do planeta farão para evitar o pior. Os investidores sabem que, em uma nova crise, dificilmente o poder público terá condições de dar novos estímulos à atividade em caso de recessão. As maiores nações estão com elevado nível de endividamento e com o caixa restrito – tanto que o presidente dos EUA, Barack Obama, quase foi obrigado a se ajoelhar perante o Congresso para aprovar o aumento do teto da dívida daquele país. O mercado, contudo, considerou frágil a vitória de Obama para tirar a economia norte-americana da beira do abismo. Os cortes que serão feitos no Orçamento podem contrair ainda mais o consumo. O índice do setor de serviços, por exemplo, voltou a desacelerar em julho, ficando no pior nível previsto pelos especialistas, de 52,7%.
Em Nova York, no fim do dia, surgiu um sinal de alívio em meio a nuvens pesadas de pessimismo. O índice Dow Jones, que ficou o dia todo no vermelho e havia caído 7% nas últimos duas semanas, encerrou nessa quarta-feira com ligeira valorização de 0,24%. Na Nasdaq, houve alta de 0,89%, devido à recuperação dos papéis de empresas de tecnologia. "Os investidores estão se dando conta de que o mercado é muito vulnerável aos problemas europeus, à dívida dos Estados Unidos e até em relação às medidas de austeridade", disse Mace Blicksilver, da Marblehead Asset Management.
Na Europa, a Bolsa de Londres caiu 2,34%, a de Paris cedeu 1,93% e a de Frankfurt, 2,30%. "Os dados econômicos das principais economias do mundo divulgados nos últimos 10 dias foram medíocres e os dessa quarta-feira não foram exceção", afirmou Michael James, da Wedbush Morgan Securities.
Com o mercado financeiro tomado pela ansiedade e o crescimento econômico minguando, autoridades em todo o mundo podem ser forçadas a, mais uma vez, trabalhar contra uma crise, como fizeram em 2008 e 2009. Mas, desta vez, as opções são menores. "O que dá para fazer? Em política monetária, claramente ninguém concorda com ninguém. Em política fiscal, estão todos bloqueados", disse Gilles Moec, economista do Deutsche Bank.
Na Europa
Os acontecimentos nos mercados de bônus soberanos (títulos da dívida) da Itália e da Espanha são um motivo para profunda preocupação, afirmou o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, em um comunicado distribuído por e-mail. “Esses acontecimentos são claramente injustificados com base nos fundamentos econômicos e orçamentários desses dois países membros e nas medidas que eles estão implementando para reforçar esses fundamentos”, afirmou. “Na verdade, as tensões nos mercados de bônus refletem uma crescente preocupação entre os investidores sobre a capacidade sistêmica da Zona do Euro de responder à evolução da crise”, disse. Os comentários de Barroso foram feitos depois de as taxas para tomada de empréstimos pela Itália atingirem no começo do dia um novo recorde desde a criação do euro.