O Sistema Interamericano de Direitos Humanos que tem resolvido pendências mundo afora, inclusive no Brasil, se tornou uma espécie de tábua de salvação para os herdeiros do distrito industrial de Contagem, polo fabril na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Este ano, o processo completa 70 anos, mas a Justiça brasileira ainda não conseguiu executar a sentença da década de 1950, que manda o governo do estado indenizar os ex-proprietários dos terrenos. A ação que tem valor estimado em R$ 1,5 bilhão, praticamente 40% do PIB industrial (Produto Interno Bruto) de Contagem, pode ser decidida em âmbito internacional.
O processo de desapropriação das famílias Abreu e Hilário, donas das fazendas Peroba e Ferrugem, local onde foram instaladas empresas como Mannesmann, Belgo Arcelor, Itaú Power Shopping, Massas Vilma, General Eletric, Pohlig- Heckel, disputa o título de ser o mais antigo do mundo, um paquiderme que coloca em xeque a Justiça brasileira. Apesar de já ter decisão favorável aos herdeiros – a sentença foi dada pelo Superior Tribunal Federal (STF), ainda em 1957 – o processo empacou na fase de execução e nunca conseguiu sair do papel, condenado milionários a viver bem próximos ou literalmente na miséria.
Agora, o processo está pronto para ser levado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para ser apreciado pela Corte internacional. “O tempo de tramitação deste processo no Brasil nos faz crer que judicialmente nunca será resolvido”, aponta o advogado especializado em direito internacional Luiz Afonso Costa de Medeiros, que também é presidente do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos, que está encaminhando a petição internacional.
Os valores que o processo envolve se tornaram também um desafio. Para se ter ideia, a cada mês, a correção acrescenta cerca de R$ 20 milhões à fatura pública. Levar a questão para julgamento internacional é a saída para processos que não encontram solução interna nos países. “Neste caso, o colapso do sistema judiciário brasileiro é nítido”, esclarece Luiz Medeiros. Desde que o processo foi transitado em julgado (ação que não cabe mais recurso) em 1957, 16 governadores já passaram pelo caso.
A cadeia sucessória das famílias Hilário e Abreu cresceu e hoje atinge cerca de 1,3 mil pessoas. Levantamento feito pelo espólio, a pedido do Estado de Minas, mostra que as primeiras gerações não conseguiram aguardar pela Justiça. Cerca de 130 herdeiros diretos morreram sem que os tribunais executassem a sentença. Entre eles, o próspero agricultor Geraldo de Abreu, que depois de ter sido forçado a sair de sua propriedade, terminou seus dias, aos 84 anos, como catador de papel nas imediações do Bairro Nova Suíssa.
Há 15 anos Geovânia Abreu vem mobilizando os herdeiros, na busca de uma solução. Ela já foi à Brasília, já conversou com ministros do Supremo, com desembargadores e juízes, mas os avanços são pequenos. Seu pai morreu aos 74 anos sem alcançar resultados. “Desconfiamos que esse é o processo mais antigo do mundo. Pessoas estão morrendo na miséria.”
Na marra
O Brasil é signatário do sistema internacional e por isso deve cumprir decisões da corte interamericana (IDH). Segundo Medeiros, o processo é um caso “extraordinário e escandaloso” contra os direitos humanos e relativamente simples de ser resolvido porque o sistema internacional não terá de discutir o direito, apenas determinar o pagamento. Ele lembra que apesar de o Brasil ser apontado com um dos grandes violadores dos direitos humanos, no caso Damião Ximenes Lopes, morto no sistema de saúde ligado ao setor público (primeira condenação do país na Corte IDH), o Brasil foi exemplar. “Foi por meio de decreto presidencial que a família foi indenizada.”
Advogado do caso desde 1985, Evandro Brandão acredita que a decisão de uma corte internacional pode causar constrangimento à Justiça brasileira e também pressão política. Para ele, a Justiça poderia resolver a questão se o modelo fosse outro. “Os recursos visivelmente protelatórios teriam de ser imediatamente indeferidos.” O Advocacia Geraldo do Estado informou, por meio de sua assessoria, que a questão está sub judice e por isso o órgão só se pronunciará no processo.
Apesar de ser dono de uma fortuna, a vida não foi amena para o carroceiro Chico, (Francisco de Abreu). Aos 87 anos, a saúde é frágil, as mãos perderam a força, mas a esperança ainda se sustenta. Sua irmã Geni, de 81, também criou filhos sem confortos. Leontino Luiz Hilário, completa 86 em outubro. Depois que seu a terra de seu pai foi desapropriada, ele trabalhou na indústria de dia e no táxi à noite. A aposentadoria não é suficiente para ajudar a filha que mora de favor em um barraco de dois cômodos. O Estado de Minas conversou também com Maria Luiza, de 92, Diolinda, de 85, Terezinha, de 80, Ismael Bernardes, e Milton Luiz, ambos de 72 anos. As frases que repetem são um espelho de seus sentimentos: “Não quero nada para mim, não tenho mais tempo”, “queria ajudar meus filhos”, “ainda levo a mágoa da forma que nos fizeram sair.” O depoimento dos velhos herdeiros não move a Justiça nem o estado.
Saída pode estar em acordo
Um acordo extra judicial, envolvendo o legislativo, o judiciário, o executivo e herdeiros foi apontado como solução para finalizar o bilionário processo de 70 anos, sem precedentes na história. A ação atual não discute o direito à indenização, que já é dado como certo, mas sim a quem pagar. Hoje são cerca de 1,3 mil herdeiros habilitados. A batalha judicial é feita de recursos entre as partes e pode se arrastar por mais outros 70 anos sem uma solução.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado estadual Durval Ângelo (PT), diz acreditar em um acordo feito por meio de projeto de lei. “Quanto mais protelar o pagamento, maior se tornará o custo do estado.”
A juíza da 5ª Vara da Fazenda Estadual, Riza Aparecida Nery, está acompanhando o processo há cerca de um ano e diz que é o mais complexo que já acompanhou. Ela tem dado prioridade ao caso, trabalhando para agilizar os julgamentos, mas aponta que a estrutura do judiciário é pesada. Atualmente, a juíza é responsável por 22 mil processos, bem acima da média de um magistrado europeu que acumula em média 600 processos. “O lado social da Justiça é muito importante, me preocupo com esse processo.” A saída apontada por Riza Nery é o acordo. “Cedo meu gabinete para as partes e posso mandar homologar imediatamente. Para os acordos não cabem recursos”, explica, dizendo que o acordo entre executivo, legislativo e as partes envolvidas é legalmente possível.
O advogado Evandro Brandão não vê a opção como via real. “Essa é uma utopia jurídica. Não existe disposição para isso (um acordo). A solução deve ser no judiciário e a pressão internacional pode ajudar.” No caso da desapropriação das fazendas Ferrugem e Peroba nenhum depósito prévio foi feito, na década de 40, para prevenir o pagamento das famílias. (MC)
O processo de desapropriação das famílias Abreu e Hilário, donas das fazendas Peroba e Ferrugem, local onde foram instaladas empresas como Mannesmann, Belgo Arcelor, Itaú Power Shopping, Massas Vilma, General Eletric, Pohlig- Heckel, disputa o título de ser o mais antigo do mundo, um paquiderme que coloca em xeque a Justiça brasileira. Apesar de já ter decisão favorável aos herdeiros – a sentença foi dada pelo Superior Tribunal Federal (STF), ainda em 1957 – o processo empacou na fase de execução e nunca conseguiu sair do papel, condenado milionários a viver bem próximos ou literalmente na miséria.
Agora, o processo está pronto para ser levado ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para ser apreciado pela Corte internacional. “O tempo de tramitação deste processo no Brasil nos faz crer que judicialmente nunca será resolvido”, aponta o advogado especializado em direito internacional Luiz Afonso Costa de Medeiros, que também é presidente do Fórum Brasileiro de Direitos Humanos, que está encaminhando a petição internacional.
Os valores que o processo envolve se tornaram também um desafio. Para se ter ideia, a cada mês, a correção acrescenta cerca de R$ 20 milhões à fatura pública. Levar a questão para julgamento internacional é a saída para processos que não encontram solução interna nos países. “Neste caso, o colapso do sistema judiciário brasileiro é nítido”, esclarece Luiz Medeiros. Desde que o processo foi transitado em julgado (ação que não cabe mais recurso) em 1957, 16 governadores já passaram pelo caso.
A cadeia sucessória das famílias Hilário e Abreu cresceu e hoje atinge cerca de 1,3 mil pessoas. Levantamento feito pelo espólio, a pedido do Estado de Minas, mostra que as primeiras gerações não conseguiram aguardar pela Justiça. Cerca de 130 herdeiros diretos morreram sem que os tribunais executassem a sentença. Entre eles, o próspero agricultor Geraldo de Abreu, que depois de ter sido forçado a sair de sua propriedade, terminou seus dias, aos 84 anos, como catador de papel nas imediações do Bairro Nova Suíssa.
Há 15 anos Geovânia Abreu vem mobilizando os herdeiros, na busca de uma solução. Ela já foi à Brasília, já conversou com ministros do Supremo, com desembargadores e juízes, mas os avanços são pequenos. Seu pai morreu aos 74 anos sem alcançar resultados. “Desconfiamos que esse é o processo mais antigo do mundo. Pessoas estão morrendo na miséria.”
Na marra
O Brasil é signatário do sistema internacional e por isso deve cumprir decisões da corte interamericana (IDH). Segundo Medeiros, o processo é um caso “extraordinário e escandaloso” contra os direitos humanos e relativamente simples de ser resolvido porque o sistema internacional não terá de discutir o direito, apenas determinar o pagamento. Ele lembra que apesar de o Brasil ser apontado com um dos grandes violadores dos direitos humanos, no caso Damião Ximenes Lopes, morto no sistema de saúde ligado ao setor público (primeira condenação do país na Corte IDH), o Brasil foi exemplar. “Foi por meio de decreto presidencial que a família foi indenizada.”
Advogado do caso desde 1985, Evandro Brandão acredita que a decisão de uma corte internacional pode causar constrangimento à Justiça brasileira e também pressão política. Para ele, a Justiça poderia resolver a questão se o modelo fosse outro. “Os recursos visivelmente protelatórios teriam de ser imediatamente indeferidos.” O Advocacia Geraldo do Estado informou, por meio de sua assessoria, que a questão está sub judice e por isso o órgão só se pronunciará no processo.
Apesar de ser dono de uma fortuna, a vida não foi amena para o carroceiro Chico, (Francisco de Abreu). Aos 87 anos, a saúde é frágil, as mãos perderam a força, mas a esperança ainda se sustenta. Sua irmã Geni, de 81, também criou filhos sem confortos. Leontino Luiz Hilário, completa 86 em outubro. Depois que seu a terra de seu pai foi desapropriada, ele trabalhou na indústria de dia e no táxi à noite. A aposentadoria não é suficiente para ajudar a filha que mora de favor em um barraco de dois cômodos. O Estado de Minas conversou também com Maria Luiza, de 92, Diolinda, de 85, Terezinha, de 80, Ismael Bernardes, e Milton Luiz, ambos de 72 anos. As frases que repetem são um espelho de seus sentimentos: “Não quero nada para mim, não tenho mais tempo”, “queria ajudar meus filhos”, “ainda levo a mágoa da forma que nos fizeram sair.” O depoimento dos velhos herdeiros não move a Justiça nem o estado.
Saída pode estar em acordo
Um acordo extra judicial, envolvendo o legislativo, o judiciário, o executivo e herdeiros foi apontado como solução para finalizar o bilionário processo de 70 anos, sem precedentes na história. A ação atual não discute o direito à indenização, que já é dado como certo, mas sim a quem pagar. Hoje são cerca de 1,3 mil herdeiros habilitados. A batalha judicial é feita de recursos entre as partes e pode se arrastar por mais outros 70 anos sem uma solução.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado estadual Durval Ângelo (PT), diz acreditar em um acordo feito por meio de projeto de lei. “Quanto mais protelar o pagamento, maior se tornará o custo do estado.”
A juíza da 5ª Vara da Fazenda Estadual, Riza Aparecida Nery, está acompanhando o processo há cerca de um ano e diz que é o mais complexo que já acompanhou. Ela tem dado prioridade ao caso, trabalhando para agilizar os julgamentos, mas aponta que a estrutura do judiciário é pesada. Atualmente, a juíza é responsável por 22 mil processos, bem acima da média de um magistrado europeu que acumula em média 600 processos. “O lado social da Justiça é muito importante, me preocupo com esse processo.” A saída apontada por Riza Nery é o acordo. “Cedo meu gabinete para as partes e posso mandar homologar imediatamente. Para os acordos não cabem recursos”, explica, dizendo que o acordo entre executivo, legislativo e as partes envolvidas é legalmente possível.
O advogado Evandro Brandão não vê a opção como via real. “Essa é uma utopia jurídica. Não existe disposição para isso (um acordo). A solução deve ser no judiciário e a pressão internacional pode ajudar.” No caso da desapropriação das fazendas Ferrugem e Peroba nenhum depósito prévio foi feito, na década de 40, para prevenir o pagamento das famílias. (MC)