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Estado de Minas

Laranjas envolvidos em sonegação milionária vivem em bairros pobres da Grande BH

Enquanto isso, Justiça manda soltar empresário acusado de comandar a fraude


postado em 25/08/2011 06:00 / atualizado em 25/08/2011 09:10

Casa de Lucimar Silva, suposto dono de empresas envolvidas em esquema milionário de sonegação.(foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)
Casa de Lucimar Silva, suposto dono de empresas envolvidas em esquema milionário de sonegação. (foto: Tulio Santos/EM/D.A Press)

No mundo das Centrais de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa Minas), laranjas brotam aos montes. Mas não a fruta, e sim pessoas usadas como testas de ferro de empresários para ocultar um esquema de sonegação fiscal. Um vigilante e sua esposa, uma operadora de caixa e um gerente de vendas, moradores de bairros populares da Grande BH, têmem seu nome duas grandes empresas atacadistas de açúcar envolvidas num rombo que supera os R$ 50 milhões, segundo concluiu o Ministério Público depois de analisar o esquema de um dos maiores empresários do setor de abastecimento do estado. O Estado de Minas teve acesso exclusivo a documentos da Operação Laranja Lima e esmiuça a vida de falsos empresários manipulados por um suposto “barão” do açúcar: Édson Bicalho Braga.

Na razão social das empresas Mercantil Vale do Sol (Mercavale) e World Brasil constam como sócios, respectivamente, o casal José Hazenclever Ramos e Rose Maire de Almeida Ramos e Gilmar Augusto e Lucimar Duarte da Silva. No entanto, no caso da Mercavale, procurações registradas por Hazenclever pelos supostos donos dão plenos poderes para familiares de Édson administrarem a firma. Documento registrado no Cartório de Primeiro Ofício de Contagem em 5 de março de 1992 concede autonomia para Sebastião Gonçalves de Queiróz e Enilson Bicalho Braga, irmão de Édson, praticarem “atos de administração e interesses da outorgante, podendo para tanto o procurador pagar e receber contas, comprar ou vender mercadorias, (…), fazer depósitos e retiradas, endossar e assinar duplicatas, admitir, demitir, fixar ordenados e dispensar empregados (…)”. A procuração tem “validade por tempo indeterminado”.

Além disso, os supostos donos têm vidas incompatíveis com a de grandes empresários. No período de março de 2008 a dezembro de 2010, por exemplo, segundo a Receita Federal, a Mercavale comprou mais de R$ 270 milhões em mercadorias. Enquanto isso, o casal Ramos, por exemplo, mora em uma casa na Rua São Salvador, no Bairro Jardim Teresópolis, bolsão de pobreza de Betim. Na parte de baixo do imóvel, ele trabalha num armazém, vendendo objetos diversos, enquanto Rose Maire jamais esteve na Mercavale, segundo José Hazenclever. A dois quarteirões dali, ele aluga um imóvel para conhecidos, na Rua Bahia, 71. Ele diz que Édson é um dos sócios da empresa, apesar de não constar o nome dele no registro, que é mesmo dono da empresa e que permanece no Jardim Terezópolis “por questão de segurança”.

De acordo com a Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, de 1996 a 2006, Hazenclever era contratado da empresa como vigilante, tendo rendimentos mensais de R$ 641,34. Depois de “virar” sócio, receberia salário sem precisar trabalhar. Ele nega e diz que na terça-feira (dia que o Estado de Minas conversou com ele) teria ido ao médico. Só por isso, segundo ele, estava na vendinha cujo nome leva seu apelido: Armazém do Cléver.

O mesmo se repete com Gilmar Augusto e Lucimar Duarte da Silva. A empresa World Brasil, que abastece supermercados no interior de Minas, está registrada em nome deles. Ele mora em conjunto habitacional no Bairro Arvoredo, em Contagem, enquanto ela vive com toda a família numa casa no Bairro Floramar, Região Norte da capital. Segundo o Rais, de 2004 a 2009 ela era operadora de caixa da empresa, recebendo R$ 700 mensais. Na terça-feira, na casa de Lucimar, estava apenas Cláudia, que se apresentou como irmã dela. Perguntada se Lucimar é a verdadeira dona da empresa, Cláudia respondeu: “Dona assim, né? Está no nome dela”. Sobre se seria Édson o verdadeiro dono, a irmã preferiu não responder: “Aí você olha com ela”.

Outra irmã de Lucimar, Marlucy, funcionária de Édson há mais de 10 anos – informação confirmada por ela em depoimento no inquérito –, também está envolvida no esquema. O contrato de locação do imóvel da World Brasil está em nome dela. Além disso, em agosto de 2009, quatro imóveis pertencentes a Édson foram transferidos para o nome dela.

Provas devem ser devolvidas

Apesar das várias contradições em relação ao patrimônio e tantas evidências quanto à sociedade fraudulenta das duas empresas, o juiz Danton Soares, da 1ª Vara Criminal de Contagem, revogou o pedido de prisão temporária contra o empresário Édson Bicalho, impediu o sequestro de seus bens e ainda mandou que fossem devolvidos todos os documentos e material apreendidos durante a operação, o que dificulta a elaboração do inquérito. “É uma decisão surpreendente. Não tivemos tempo para analisar o que foi apreendido”, afirma o promotor de Justiça designado para atuar no Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa da Ordem Econômica e Tributária do (Caoet), Renato Froes, considerando que está “mais que evidenciada a ligação de Édson com as empresas”. “Todos dizem que ele responde pela empresa e ele era o dono do imóvel”, afirma.

O promotor diz ainda que o material está sendo devolvido, mas, com isso, “a operação praticamente é inviabilizada” e fica complicada a produção de novas provas contra o empresário. O MP recorreu da decisão.

Édson Bicalho mora em uma mansão no Bairro São Bento, Região Centro-Sul de BH. Ele é tido como o principal beneficiário do esquema operado por Lino Marcos de Lima, segundo o Ministério Público de São Paulo e o de Minas Gerais. No site da Companhia de Armazéns e Silos de Minas Gerais (Casemg), órgão vinculado ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, ele é apontado nominalmente como um dos principais clientes de Contagem.

Nos quatro volumes do inquérito, escutas telefônicas e depoimentos de funcionários das empresas ligam Édson a um esquema muito bem articulado para se manter invisível nas fraudes. No entanto, ligá-lo às empresas foi tarefa simples para os promotores, bastando fazer perguntas simples aos laranjas e, inclusive, entrando em contato com as próprias empresas. Uma das testemunhas do esquema é Nivanilde Soares Ferreira, a Vânia. Na transcriação do depoimento, ela diz que trabalhava diretamente com Lino, mas “nos negócios relacionados ao açúcar, [Lino] tratava somente com o Édson”, diz. Ela cita no depoimento outras três empresas pertencentes a Édson (Tip Top, Embrafor e Top Alimentos) e responsáveis por rombo de R$ 30 milhões na Receita Estadual.

 O Estado de Minas tentou contato com Bicalho, mas as ligações da reportagem não foram atendidas. (PRF)


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