O resgate de bolivianos em uma confecção de São Paulo, terceirizada pela cadeia produtiva da grife internacional Zara, descortinou uma nova face da escravidão no Brasil. Associado geralmente às áreas rurais e isoladas, os fiscais comprovaram que, na verdade, esse tipo de problema é cada vez mais comum nas cidades. Em galpões de metrópoles nacionais, exércitos de trabalhadores, entre eles adolescentes e crianças, se sacrificam para sustentar o glamour e a ostentação dos desfiles de moda de grandes marcas. Não à toa, estão em andamento, pelo menos, mais 15 investigações contra grifes de roupas. Os nomes não são revelados, pois os processos correm em sigilo. A reportagem confirmou, contudo, que um deles diz respeito às Casas Pernambucanas.
Em abril último, uma oficina na Zona Norte de São Paulo foi flagrada com bolivianos que viviam e eram explorados em condições de escravidão. Eles costuravam peças da Argonaut, uma das marcas de roupas da linha jovem da Pernambucanas. Agora, a rede está sob investigação. O próximo passo será a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Procurada, a Pernambucanas se defendeu sob a alegação de exigir "que suas empresas fornecedoras adotem certificações reconhecidas no que diz respeito às melhores práticas de trabalho". Adriano Dutra, especialista em auditorias trabalhistas da Tgestiona/Saratt, alerta que a gestão e o monitoramento eficaz de toda a cadeia de terceiros e fornecedores é responsabilidade de qualquer empresa.
Com a economia em ritmo de expansão, o Brasil funciona hoje como um polo atrativo de imigrantes vindos de países vizinhos em busca de uma oportunidade. “Como estão irregulares no país, têm medo de recorrer às autoridades, o que dificulta a atuação dos fiscais", explica Luiz Machado, coordenador de combate ao trabalho escravo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Casos como o da Zara e da Pernambucanas se tornaram comuns no país ao longo dos últimos anos. Em fevereiro do ano passado, a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE-SP) aplicou 43 autos de infração a diversos agentes da cadeia produtiva.
Dados do Ministério do Trabalho (MTE) mostram que, entre 2000 e 2010, o valor de indenizações pagas pelos empregadores flagrados chegou a R$ 62,2 milhões. O montante se refere a pagamentos devidos aos funcionários, que incluem saldo de salários, de férias e 13º, entre outros direitos. Quando são resgatados, o governo federal paga a eles um seguro-desemprego no valor de um salário mínimo durante três meses. "Na maioria das vezes, é o primeiro momento da vida em que se sentem cidadãos", resume Paula de Ávila e Silva Porto Nunes, procuradora do Trabalho da 10ª Região e vice-coordenadora de erradicação do trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT).
Lista suja
“É importante que as pessoas estejam atentas, até para fazer escolhas enquanto consumidoras conscientes", recomenda Ronaldo Lira, procurador do MPT de Campinas (SP). Além das punições legais, os empregadores condenados têm os nomes incluídos na chamada "lista suja", com a qual as empresas se comprometem a romper qualquer tipo de vínculo. Atualmente, 249 infratores são citados no documento.