Fabricante de instrumentos musicais como pianos, violinos e guitarras, a mineira Michael, com sede em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, optou por terceirizar sua produção na Ásia. A também mineira Suggar transferiu grande parte de sua unidade fabril para indústrias na China. Especializada em bolsas e acessórios, a Covenant, de BH, da mesma forma, cria moda aqui e fabrica do outro lado do mundo. Ao cruzar o oceano, essas indústrias acabaram exportando não só a tecnologia e o processo produtivo, mas os empregos que poderiam gerar renda no Brasil.
Elas poderiam firmar parcerias com a indústria nacional, mas a mistura de câmbio e o chamado custo Brasil deixa os investimentos asiáticos bem mais competitivos. Em alguns segmentos como o de eletroportáteis, estima-se que 90% dos produtos vendidos por aqui sejam manufaturados na China, ou em algum vizinho do gigante asiático. Produtos fabricados lá fora podem custar até metade do que se observa no mercado brasileiro, e por isso a terceirização é apontada como estratégia de defesa, uma espécie de salva-vidas das empresas nacionais para ganhar competição e responder aos tempos de real forte.
A ideia de contratar estrangeiros para produzir cresce principalmente em setores como o têxtil, calçadista, máquinas e equipamentos e também nas indústrias de veículos e eletrônicos, segundo sondagem da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O levantamento aponta, ainda, que pelo menos uma a cada 10 das grandes empresas nacionais já tem produção na China. Outro estudo, publicado pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), estima que desde a crise de 2008 até agora, a indústria de transformação tenha exportado cerca de 560 mil empregos. O cálculo leva em conta os empregos diretos e indiretos gerados para viabilizar as exportações e aqueles perdidos por meio das importações.
Um ferro elétrico feito no Brasil não sai por menos de R$ 40, quando na China o custo total para produzir o eletrodoméstico gira em torno de R$ 18. O resultado da conta é um só. Contêineres chegam da China lotados da mercadoria feita na Ásia com tecnologia europeia e vendida no Brasil.
O presidente da Suggar, José Lúcio Costa, justifica que o câmbio, além de expulsar segmentos do setor exportador, também empurrou a produção nacional para outro continente. A empresa produz 154 itens, nove ainda fabricados no Brasil. “Penso em expandir a linha, em inovar. Sei que a única coisa certa na vida são as mudanças, mas para o Brasil se tornar atrativo para a produção precisaria haver redução da carga tributária, dos gastos públicos e da corrupção”, alega o industrial.
Segundo a Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB), o fenômeno preocupa, mas “a decisão é de sobrevivência.” O vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro é enfático: “Ou as empresas fazem isso, ou fecham as portas.” Segundo ele, além do chamado custo Brasil, competir com o real forte se tornou desafio grande demais. Castro avalia que esta é a primeira etapa do fenômeno. A segunda fase, mais preocupante, seria a transferência dos parques fabris.
Para Aguinaldo Diniz Filho, presidente da mineira Cedro Cachoeira e também da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), o défict na balança comercial do setor e das confecções – estimado em US$ 5 bilhões até o fim do ano – é o indicador de que brasileiros estão trocando o Brasil pela Ásia. “Isso significa uma exportação de 180 mil empregos”, sustenta. De janeiro a junho deste ano, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de empregos criados pela indústria têxtil foi inferior em 12 mil oportunidades ante o mesmo período do ano passado. Crítico da desaceleração do parque industrial brasileiro, Aguinaldo Diniz não vê futuro promissor. “ Os Estados Unidos acharam que poderiam viver de serviços e exportaram sua manufatura para a China. Agora, não conseguem gerar empregos”, comparou.
Quem opta em cruzar o mar aponta a competitividade agressiva do chinês. “Eles fazem exatamente uma réplica do que pedimos e com bastante qualidade”, diz Luiz Carlos Moreira, diretor da Covenant, que mantém parte de sua manufatura no gigante asiático. Desde que entrou no mercado da música, há 12 anos, a Michael optou por terceirizar sua produção nos países asiáticos como China e Taiwan. Hoje, atingiu o recorde de uma linha com 500 produtos. O diretor Marco Aurélio Bousas comenta que a parceria local ainda não foi possível devido aos custos altos e à falta de domínio da tecnologia. Se a produção fosse nacional, a empresa poderia adequar mais rapidamente produtos ao padrão de consumo dos brasileiros, como os instrumentos temáticos, com lançamentos mais rápidos. “Se houvesse incentivos, acredito que a indústria nacional rapidamente se interessaria pelo setor e se adaptaria. Um exemplo pode ser visto com os tablets”, lembrou. A Michael projetou crescimento de 20% este ano.