No país, mais de 6 milhões de usuários de planos de saúde têm até 9 anos, mas os hospitais estão desistindo de atender a esse pequeno grande público, que exige muitos cuidados e gasta pouco. Entre 2007 e 2011, o número de beneficiários de plano médico infantil cresceu 18% no Brasil, mas na sala de espera dos hospitais as famílias não sentem o aumento da oferta do serviço e muito menos a melhora da qualidade do atendimento. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, cerca de 260 mil crianças já têm uma carteirinha do convênio médico. Os pais não contavam, porém, que em cinco anos oito hospitais na capital fechariam a ala de pediatria.
Para preservar a saúde financeira do negócio, nos últimos cinco anos foram reduzidos ou suspensos cerca de 20 serviços médicos que atendiam crianças em consultórios rotineiros, pronto-atendimentos, unidades de internação e maternidades da capital. Estima-se que em Belo Horizonte 250 leitos foram fechados, sendo 60 deles exclusivos da saúde suplementar. O resultado da conta é desfavorável para as crianças, que chegam a aguardar mais de três horas por atendimento médico nas urgências, de manhã ou de madrugada. Os hospitais que continuam com o serviço estão sobrecarregados e trabalham sem qualquer ociosidade. Como no Serviço Único de Saúde (SUS), em tempos de superlotação, ambulatórios privados se transformam em sala de internação para dezenas de crianças doentes.
O Hospital São Camilo, referência no atendimento pediátrico de Minas, é o primeiro no Brasil em número/dia de atendimento infantil. “Nos últimos cinco anos nossa demanda cresceu 100%”, aponta o diretor e fundador do hospital, o pediatra José Guerra Lages. Para ele, o nó está no modelo de remuneração, que fez a pediatria se tornar desinteressante, tanto para médicos quanto para hospitais. Em uma internação comum, o material médico representa cerca de 50% da receita, enquanto o restante é dividido entre o valor da diária e outras taxas.
Na pediatria, não há consumo de produtos caros, como órteses e próteses, assim eles não representam mais de 15% da receita. Como o valor da diária está defasado em mais de 30%, o setor fecha no vermelho. Segundo Guerra, a remuneração dos planos de saúde, que hoje fica, em média, em R$ 300 para a internação mais cara, não poderia custar menos de R$ 400. “Estamos cobrindo o custo da internação, que tem prejuízo mensal de R$ 60 mil, com o ambulatório, mas está cada vez mais difícil. Continuamos remando para não afundar no mar revolto.”
Na sala de observação do São Camilo, Marcelo, de 6 anos, espera por uma vaga na internação desde o dia anterior. A mãe, Linéia Amaral, está satisfeita com o atendimento do médico, mas, antes de Marcelo ser internado, ela aguardou três horas e meia pela consulta de urgência em um pronto-socorro pediátrico, na Região Norte da cidade. Ela, que também é mãe de Rian, de 4, reclama que os atendimentos para os planos de saúde estão sempre lotados e os pediatras exaustos. “Dá para ver que eles estão trabalhando além do limite, dobrando plantão.”
Considerando o público até 19, faixa que inclui o atendimento pediátrico, no Brasil são 12,2 milhões de usuários de convênios médicos. Belo Horizonte tem a quarta maior taxa de cobertura de plano de saúde no país, saindo de 45,3% da população em 2008 para 54,8% em julho, mas as oportunidades de trabalho para os pediatras foram reduzidas. “A pediatria não usa equipamentos mais valorizados. Os hospitais optaram por especialidades com melhor retorno financeiro”, diz Margarida Constança Delgado, diretora da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP). Segundo ela, apesar do vigor demonstrado pelo mercado de planos de saúde, as famílias têm se sentido desamparadas no atendimento a suas crianças.
O presidente do Hospital Mater Dei, José Salvador, confirma que a pediatria não cobre os custos. “Mantemos o atendimento porque é uma necessidade dos nossos clientes e da comunidade.” O Life Center desativou cerca de 15 leitos de pediatria. O diretor técnico do hospital, Eudes Magalhães, explica que a remuneração da consulta também é crítica, variando pouco mais de R$ 30 para os médicos do pronto-socorro. Ele aponta a dificuldade de encontrar pediatras dispostos a se submeter à rotina pesada dos plantões com baixo retorno financeiro.
Castinaldo Bastos, presidente do Sindicato dos Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde de Minhas Gerais, considera que a crise é econômica. “A remuneração não cobre os custos dos hospitais. Ou os planos remuneram melhor ou terão de criar serviços próprios. A sociedade e o governo terão de discutir melhor a questão.” A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável pelo equilíbrio do mercado, informou que não regula os prestadores de saúde, no entanto, para incentivar o aumento do número de credenciados, publicou em junho resolução normativa que definiu tempos máximos de espera para procedimentos.
Insuficiência é desconhecida
Os planos de saúde, que são os compradores dos serviços, dizem não ter conhecimento da insuficiência na capacidade de atendimento da pediatria.
A Unimed-BH, maior plano de saúde da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que responde por cerca da metade dos convênios da capital, informou que tem implementado estratégias de valorização do pediatra e dos serviços prestados às crianças. Segundo seu superintendente interino de Provimento da Saúde, Sérgio Bersan, os leitos da especialidade foram fechados nos últimos anos porque houve uma sensível melhora dos índices de saúde infantil, com menos pressão da demanda. Por outro lado, ele informou que a cooperativa abriu recentemente, por meio de sua rede própria, 20 leitos infantis.
Bersan reforçou que a cooperativa tem trabalhado em programas inovadores no setor de planos de saúde com a remuneração de R$ 75 pela consulta de puericultura e com o pagamento da consulta de retorno. Ainda implementou o serviço de pagamento adicional para hospitais creditados pela qualidade. Segundo Bersan, a cooperativa implementou uma política de valorização da diária na internação da pediatria. Sem detalhar valores ele disse que essa remuneração deve evoluir “de forma sustentável” e garantiu que a rede da Unimed está dimensionada para o tamanho da demanda de seus usuários.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), que representa os 15 maiores grupos de operadoras de planos de saúde de um total de 1.417 empresas em atividade no país, informou que suas afiliadas buscam frequentemente adequar suas redes de prestadores de serviços médico-hospitalares às necessidades de atendimento dos beneficiários e não tem conhecimento da insuficiência da capacidade de atendimento. A federação informou também que, “segundo pesquisa DataFolha/IESS (Instituto de Estudos sobre Saúde Suplementar), 80% dos beneficiários de planos de saúde estão muito satisfeitos ou satisfeitos com os serviços oferecidos por seu plano de saúde”.