Os brasileiros que já sofrem com a alta dos preços nos supermercados devem se preparar para mais um baque no orçamento doméstico. Com a disparada dos preços do dólar neste mês, de R$ 1,60 para mais de R$ 1,80, as tarifas públicas (luz e telefone, principalmente) e outros preços administrados, como os aluguéis e medicamentos, devem subir com força ao longo do ano que vem. Por contrato, esses itens são corrigidos, em parte, pelos índices gerais de preços (IGP-M e IGP-DI), os que mais captam a variação cambial. O reajuste médio tenderá a ser superior a 6%.
Segundo Carlos Thadeu Filho, economista sênior da gestora de recursos Franklin Templeton, cada 10% de alta do dólar representa 2% de aumento nos IGPs, que são medidos pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Mas não é. Ele ressaltou que, como a energia produzida pela hidrelétrica de Itaipu é cotada em dólar, todas as distribuidoras abastecidas pela estatal terão de arcar com aumentos de custos entre 8% e 10%, fatura que será repartida com os consumidores. A usina binacional é o principal fornecedor individual de eletricidade ao Sistema Interligado Nacional (SIN).
Pelos cálculos de Thadeu Filho, a população enfrentará uma onda pesada de reajustes dos preços administrados, o que se tornará um problema a mais para o Banco Central manter a inflação próxima ao centro da meta, de 4,5%, em 2012. “Se as projeções do mercado se confirmarem, os IGPs vão incorporar parte da pressão de hoje do dólar e pressionar os preços administrados no ano que vem”, afirmou. Também a taxa oficial de inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), será impactado. Historicamente, 30% do indicador vêm das tarifas públicas.O mercado está cauteloso em relação ao IGP-M, também chamado de inflação do aluguel.
Impacto
Para os analistas, a persistência da desvalorização do real ante o dólar, aliada a uma queda menos acentuada nos valores das commodities (produtos básicos com cotação internacional), pode pressionar ainda mais os preços administrados. “Apesar do efeito moderado sobre o IPCA, os índices gerais têm impacto maior sobre os administrados”, disse Heron do Carmo, professor da Faculdade de Economia da USP. A boa notícia é que, em razão dos duros impactos sofridos no passado, vem caindo gradualmente a indexação da economia aos IGPs. Hoje, é parcial na energia elétrica e na telefonia e deixou de ser em boa parte dos pedágios de estradas.
A preocupação dos especialistas com a variação dos índices gerais pode ser verificada pela pesquisa semanal Focus do Banco Central. O levantamento mostra que, desde abril, o IGP-M registra alta nas projeções, que passaram de 4,50% para 5,60%. No caso do IGP-DI, a média da opinião do mercado registra elevação há cinco semanas seguidas, atingindo 5, 77%. A desvalorização do real também pressiona preços do atacado (indústria e comércio), entre os quais predominam matérias-primas cotadas em dólar no mercado internacional.
Na avaliação de Cristiane Cordeiro von Ellenrieder, advogada especializada em energia do escritório FHCunha, a forte variação do dólar não deverá repetir os traumas de 2008, quando a alta da moeda norte-americana foi mais acentuada e prolongada, punindo os consumidores. Ela ressaltou, porém, que um impacto na inflação ocorrerá se a cotação do petróleo disparar e a Petrobras corrigir os preços dos derivados (gasolina, sobretudo), defasados em relação ao mercado externo.
A valorização do dólar nas últimas semanas indicam que a Petrobras pratica preços até 22,3% menores que os reais, caso da gasolina. No óleo diesel, a diferença chega a 21,7%. Isso porque a última mudança nas tabelas das refinarias ocorreu em junho de 2009. Segundo especialistas, as perdas para o caixa da estatal só não são maiores porque o recuo do petróleo compensa em parte o salto no câmbio.