Uma tarde com Sócrates era o sonho de Steve Jobs, o cocriador da Apple e do estúdio Pixar, que morreu, ontem, aos 56 anos. Em entrevista à revista Newsweek em 2011, o visionário homem por trás de tantos ‘ais’ – iPod, iPad, iPhone... – confessou que trocaria toda a sua tecnologia por uma boa prosa com o filósofo grego que deixava seus interlocutores encucados ao saber, de repente, que nada sabiam. A capacidade de dar de ombros para formulários de pesquisa, antever tendências, apostar caro nelas e acabar acertando fez com que Jobs mudasse a história recente da tecnologia, e fizesse o que parecia milagre com os números e o posicionamento de mercado da Apple. E, de quebra, o carisma e vocação para showman deixaram o nome dele inconfundivelmente marcado nessa história.
Com visual clean, caracteristica dos produtos da era Jobs na história da Apple, a página oficial da companhia confirmou, um dia depois do lançamento do novo iPhone 4S, que o idealizador da marca havia falecido: "A Apple perdeu seu visionário e gênio criativo, e o mundo perdeu um ser humano incrível. Aqueles de nós que tiveram a sorte de conhecer e trabalhar com Steve perderam um amigo querido e um mentor inspirador. Steve deixa para trás uma empresa que só ele poderia ter construído, e seu espírito será sempre a base da Apple". A família do ex-executivo, afastado do comando da empresa em 24 de agosto deste ano, comunicou que ele morreu ao lado dos parentes, "tranquilamente", e avisou que um site será criado, " para aqueles que desejam fazer homenagens".
Jobs nasceu em 24 de fevereiro de 1955, em São Francisco (EUA). Foi criado por pais adotivos e ficou conhecido por suas excentricidades que cheiravam a marketing: houve semanas em que decidiu desintoxicar-se e comer apenas maçãs, nunca aparecia em público vestindo outra coisa que não fosse calça jeans e blusa preta de gola rolê e vez ou outra respondia a qualquer um que mandasse mensagens para o steve@apple.com. Ganhou notoriedade quando, em 1984, ajudou a lançar o Macintosh. O computador pessoal tinha, pela primeira vez, interface agradável e sistema operacional acessível a meros mortais que não soubessem o que fazer diante de um comando bizarro em códigos indecifráveis. Vendeu 400 mil unidades e redefiniu a indústria.
A Apple havia sido fundada em 1976, dois anos depois de Jobs fazer uma viagem à Índia em busca de iluminação espiritual. O jovem, mergulhado de cabeça na contracultura, entrou na garagem do amigo Steve Wosniak – homem dos algoritmos, enquanto Jobs cuidava dos negócios – e de lá saíram os Apple I e II, antecessores do Mac. Anos mais tarde, Jobs não teria nenhum pudor em dizer que das duas ou três coisas mais importantes que fez na vida, uma foi a experiência com o ácido lisérgico (LSD).
O conselho da Apple o afastou em 1985, por divergências internas. Ele voltaria em 1996, ano em que a empresa da maçã comprou a Next Computer, também criada por Jobs. Em 1997, já era o principal executivo e deu novo gás à marca, que estava à beira da falência. A partir disso, os aparelhos que chegavam à prateleiras ostentando o símbolo do desejo mudaram a história da música, da computação pessoal e da telefonia.
Em 2004, Jobs foi diagnosticado com câncer no pâncreas. De lá para cá, o mercado habituou-se a rumores e confirmações de licenças médicas – até o obituário dele já foi acidentalmente publicado. A empresa experimentou, na terça-feira, seu primeiro lançamento recente sem ele. O mercado amanheceu frustrado para adormecer de luto.
Com todas as revoluções tecnológicas causadas pelo hippie comedor de maçãs, e mesmo com a fama de mandão, perverso e intolerante, o desejo do papo com Sócrates revela o que é mais marcante na trajetória de Jobs. Outra frase famosa do genioso e genial executivo dá a pista: “Nascemos, vivemos por um momento breve e morremos. Tem sido assim há muito tempo. A tecnologia não está mudando muito este cenário”.