A técnica em nutrição Suely Bittencourt deixou de fazer um depósito de R$ 1 mil para a filha pagar contas; a administradora Juliana Vidal não conseguiu fazer uma operação para quitar uma dívida; a funcionária pública Rosiele Dorneles encontrou o caixa eletrônico sem notas e, por isso, também deixou de pagar contas. Nas imobiliárias, os processos de financiamento para aquisição da casa própria estão atrasados. Nessa quinta-feira, às vésperas de completar 20 dias de paralisação, os bancários rejeitaram a proposta de 8,4% de reajuste apresentada pela Federação Nacional dos Bancos (Fenaban) sem sequer levá-la a votação em assembleia. O aumento lhes garantiria aumento real de 0,93%, mas o pedido é de 5%. Hoje, às 10h, haverá nova reunião.
Os problemas causados pela greve se acentuaram nos últimos dias, com a chegada da data de vencimento das faturas de outubro, o que, inclusive, levou o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, a se dizer receoso com o andamento do movimento. “Estamos preocupados com a greve dos bancários", disse, reiterando que não esperava que a greve dos Correios tivesse desfecho na Justiça. O movimento é considerado o maior das últimas duas décadas e, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), mais de 9 mil agências do país estão paradas.
Mesmo depois de dois dias de peregrinação, a técnica em nutrição Suely Bittencourt, de 68 anos, não havia conseguido pagar o boleto do cartão de crédito e depositar para a filha. Ela tentou fazer o pagamento na segunda-feira e não conseguiu, retornou no dia seguinte, com o número do código de barras do boleto do mês passado, mas o banco rejeitou o número e ela teve de pagar juros por atraso. “Olha que absurdo. A gente não tem culpa”, reclama. “E se optar por andar com dinheiro não tem segurança. Pense bem: outro dia vi uma pessoa sacar uma arma e assaltar um cliente na porta da agência”, diz Sueli amedrontada, apontando para um banco do outro lado da Avenida Getúlio Vargas, no Bairro Funcionários, onde presenciou uma saidinha de banco.
Nas agências da Caixa Econômica Federal, depósitos podem ser feitos só até meio-dia. Depois disso, os envelopes desaparecem. Mas não tem mistério. Questionados, os funcionários explicam que, se o depósito for feito depois desse horário, não há compensação no mesmo dia, ou seja, é como se a operação tivesse ocorrido no dia seguinte. Em algumas agências do banco clientes também relatam que não conseguem retirar folhas de cheque e não encontram dinheiro nos terminais eletrônicos.
A administradora de empresas Juliana Vidal precisava fazer um depósito para pagar uma conta, mas, ao entrar na agência da Caixa, não encontrou envelopes próprios para a operação. A solução foi seguir até uma casa lotérica para tentar fazer vários depósitos para o beneficiado. “O limite para depósito é de R$ 1 mil. Vou tentar ‘picar’ e fazer várias operações”, diz Juliana.
Depois de se deparar com o terminal sem dinheiro, a servidora pública Rosiele Dorneles não conseguiu pagar as contas e, depois de horas na fila da agência, decidiu encarar o telemarketing.
Negócios travados
Na imobiliária Adimóveis-BH, há casos de financiamentos para compra da casa própria travados há duas semanas. Sem pessoal para analisar a documentação na Caixa Econômica Federal, os negócios estão emperrados. “Os financiamentos que dependem de autorização são os mais prejudicados”, diz o proprietário da imobiliária, Marco Aurélio Boson. Na unidade, sete a cada 10 imóveis negociados são pagos a partir de financiamentos e mais de dois terços desse total são feitos com a Caixa. Outro problema enfrentado pela Adimóveis-BH é o atraso no pagamento de contratos de aluguel. Como os valores superam os limites aceitos nas casas lotéricas, é preciso ligar para todos os clientes pedindo que paguem o débito diretamente na imobiliária.
Correios voltam hoje em Minas
Depois de 30 dias de greve, os funcionários dos Correios de Minas voltam ao trabalho hoje. Inicialmente contrários à decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que obrigava o fim imediato da greve desde essa quinta-feira, em assembleia a categoria recuou e decidiu acatar a ordem do TST. Mas o Sindicato dos Trabalhadores das Empresas de Correios e Telégrafos de Minas Gerais (Sintect-MG) diz que vai acionar a Justiça contra o reajuste definido na reunião de terça-feira e promete nova assembleia na próxima semana para definir formas de mobilização para tentar aumentar o reajuste.
Além de Minas, até essa quinta-feira outros dois sindicatos ligados à Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios, Telégrafos e Similares (Fentect) decidiram manter a paralisação: Pará e São José do Rio Preto (SP). A estimativa é que 10% dos funcionários tenham decidido manter a greve, descumprindo determinação do TST que prevê multa diária de R$ 50 mil para os sindicatos que não voltassem aos trabalhos a partir da meia-noite dessa quiinta-feira. “É uma decisão arbitrária. Vamos retornar aos trabalhos, mas nos reunimos na semana que vem para tentar tomar uma decisão que mude o que o TST definiu”, diz o presidente do Sintect-MG, Pedro Paulo Pinheiro.
A estimativa da Fentect é que 600 milhões de correspondências estejam paradas, mais que três vezes o cálculo feito pelos Correios, que, até terça-feira, disse haver 186 milhões de entregas atrasadas. Em Minas, o sindicato estima que entre 9 e 12 milhões de entregas estejam paradas, mas a maior parte deve estar em São Paulo, em processo de triagem.
A expectativa é que os serviços sejam normalizados em até 10 dias. Nessa quinta-feira, num mutirão nacional, foram entregues 8 milhões de objetos e novo mutirão deve ser feito no sábado, iniciando a compensação dos dias de greve. A previsão é que os serviços suspensos durante a greve (Sedex 10, Sedex Hoje e Disque Coleta) voltem a funcionar até o dia 24.
Na reunião da corte dos ministros da Seção de Dissídios Coletivos do TST, na terça-feira, ficou decidido reajuste de 6,87%, repondo as perdas com a inflação, além de aumento real de R$ 80 a partir desse mês. (PRF)