Exportações em queda, projeções de desaceleração na economia e um inesperado socorro a bancos. Os indícios de dificuldades na China, líder em crescimento nas últimas três décadas e principal parceiro comercial do Brasil, ampliaram as incertezas globais e ameaçam abalar seriamente o desempenho brasileiro. Na avaliação de especialistas ouvidos pelo Estado de Minas, a resistência doméstica aos efeitos da crise internacional depende cada vez mais dos indicadores chineses. O sinal amarelo acendeu nos gabinetes da equipe econômica, cujos membros mais notáveis já mostraram publicamente os seus temores.
O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Fernando Pimentel, admitiu que o desaquecimento mundial afetará a balança comercial do país, bastante influenciada pelas compras chinesas de commodities (produtos básicos com cotação internacional, como itens agrícolas e minérios). Para ele, se o crescimento do dragão chinês ficar abaixo de 8% anuais "o Brasil terá problemas" até por falta de alternativas. Há economistas prevendo um recuo chinês para 3% nos próximos anos, algo inimaginável até há pouco para uma atividade que se expande a 10% por ano.
No acumulado do ano até setembro, os Estados Unidos retomaram a liderança como maior mercado fornecedor do Brasil, com US$ 25 bilhões, ante US$ 24,1 bilhões da China — o dobro do terceiro, a Argentina. Na mão inversa, a China importou US$ 33,6 bilhões no período e os EUA, US$ 18,7 bilhões. Só em setembro, as exportações para o país asiático somaram US$ 4,5 bilhões, o que mostra a crescente dependência nacional dos rumos chineses.
Preços e demanda em queda, contudo, devem traçar um quadro mais apertado daqui para a frente. As mineradoras, lideradas pela Vale, já ofereceram às siderúrgicas chinesas descontos na venda de minério de ferro nos contratos do último trimestre. O preço à vista caiu ao menor nível em 11 meses: US$ 160. As clientes se ressentem da queda na cotação do aço e, por isso, rejeitam pagar US$ 175 pela tonelada do minério, conforme a regra atual, baseada na média do trimestre anterior.
"A economia brasileira é duplamente sensível às turbulências na China. Primeiro nos volumes exportados para lá, mais de 15% do total. Depois no peso dessa demanda sobre cotações de commodities", resume Luis Otavio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Bank Corportation (ABC Brasil). O especialista ressalta que o Brasil só não está mais exposto ao declínio chinês em razão das matérias-primas agrícolas.
SEGREDO De toda forma, ele reforça a declaração do ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que a economia chinesa está no centro das preocupações. "Além do mercado doméstico, o segredo da bem-sucedida resposta brasileira à contração mundial em 2008 e 2009 deve-se em boa parte ao excepcional esforço de Pequim em manter a economia chinesa aquecida", explica Leal.
Medidas anunciadas nos últimos dias pelo governo chinês para sustentar o mercado e o desempenho econômico pior que o esperado mostram agora um cenário mais grave. Uma das primeiras reações veio do Itamaraty. Das 20 medidas de promoção e defesa comerciais anunciadas na semana passada pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, uma prevê reforço no monitoramento do mercado chinês. "Temos de ir além da complementaridade comercial", justificou ele na ocasião.
Desde que tomou posse e sobretudo depois de sua visita oficial a Pequim, em abril, a presidente Dilma Rousseff vem tentando "revisar" a relação comercial bilateral, marcada por pautas de exportação essencialmente invertidas (commodities brasileiras versus manufaturados chineses). A medida mais drástica visando equilibrar as trocas foi anunciada há um mês, quando o governo elevou o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) vinculado às importações para barrar o avanço dos veículos chineses. Até agora, o efeito prático está no desgaste diplomático.
Enquanto isso...
... Inflação é ameaça por lá
As cotações recordes das matérias-primas, resultado de demanda elevada e da especulação nos mercados futuros, ajudam o comércio do Brasil, mas se tornaram a pior fonte de inflação na China, atualmente ao ritmo anual de 6,5%. O governo chinês reforçou a fiscalização no varejo para coibir preços abusivos. A carne de porco,por exemplo, um dos principais produtos da alimentação dos chineses, só em agosto subiu 52,3%.