No Dia Nacional do Dentista, os motorzinhos, que podem até irritar mas são eficientes no combate das cáries, tiveram folga. Profissionais que prestam serviços odontológicos em todos os estados pararam os serviços em protesto contra o que chamam de mercantilização dos planos de saúde. A crítica da categoria é de que os valores pagos para consultas e outros procedimentos estão mais de 30 vezes abaixo do previsto no Código Brasileiro Hierarquizado de Procedimento Odontológico de 2011. O documento prevê cobrança mínima de R$ 65 por consulta, mas dentistas relatam que as operadoras de planos chegam a pagar R$ 2 pelo atendimento – valor que não cobre nem mesmo os custos básicos. Na outra ponta, o setor mostra-se em crescimento, tendo o mercado mais que dobrado entre 2003 e 2010, com lucro das operadoras que pode atingir R$ 600 milhões ao ano.
Mas as reivindicações que levaram à paralisação dessa terça-feira não se resumem à defasagem da tabela de preços. A falta de autonomia dos profissionais e o descumprimento de normas do Ministério da Saúde e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) também estão na pauta da categoria, que, pela primeira na história do país, conseguiu reunir dentistas de todos os estados em um ato contra o sucateamento da saúde. Em Minas, o protesto teve participação de 50% a 60% dos dentistas, segundo balanço feito pela Comissão de Convênios e Credenciamentos do estado, que representa entidades como o Conselho Regional de Odontologia (CRO-MG) e o Sindicato dos Odontologistas de Minas Gerais (Somge). O total da adesão ficou abaixo do previsto no dia anterior ao movimento, mas resultou no cancelamento de cerca de 50 mil consultas.
Reunidos na Praça Sete, no Centro de Belo Horizonte, eles protestaram contra o modelo atual, distribuindo kits bucais e cartilhas com os problemas citados pelo sindicato. “O ato de ontem foi o primeiro passo de uma série de ações. Vamos nos reunir na Assembleia Legislativa de Minas, na Câmara Municipal de Belo Horizonte e no Congresso para discutir a questão dos planos de saúde bocal. A ideia é manter um movimento para pressionar as operadoras e obrigá-las a se inserir num enquadramento legal, cumprindo o que está previsto na legislação”, afirma o presidente da comissão, Eduardo Gomide.
Um dos pontos considerados graves é a denúncia de que as operadoras de planos de saúde estariam exigindo que os dentistas submetessem os clientes a radiografias antes e depois dos procedimentos, expondo-os a radiação desnecessária e contrariando normativa do governo federal. “O exame de raio-X só pode ser feito quando trouxer benefício para o paciente, como no caso da identificação de uma cárie, mas a orientação é que seja feito também para fins periciais”, crítica o presidente do Conselho Regional de Odontologia (CRO-MG), Arnaldo Garrocho. Ele diz que a radiografia tem sido feita em substituição ao serviço do perito.
Como roupas
O especialista critica a banalização da profissão associada à mercantilização da saúde e considera inaceitável, entre outros problemas, a venda de planos em supermercados, confecções e postos de combustíveis. “Estão vendendo saúde como se vende roupa e gasolina”, diz. A consequência é a superlotação dos consultórios, obrigando profissionais a atender dezenas de pacientes em um mesmo dia para atingir bons níveis salariais. A consequência óbvia é a falta de qualidade do serviço prestado. “Nas condições atuais, é difícil conseguir prestar atendimento satisfatório”, critica Gomide.
Em nota, repetida do último protesto dos médicos, a ANS se restringe a explicar que não tem amparo legal para regular a remuneração e que as operadoras têm obrigação de oferecer a assistência contratada por seus beneficiários. “Neste sentido, a ANS atuará para que esta obrigação de garantir o acesso do consumidor/beneficiário aos serviços por ele contratados seja cumprida.”