A Argentina sofre uma sangria de reservas monetárias e fuga de capitais devido à uma febre de compra de dólares que se agravou, apesar da estabilidade política pela reeleição da presidente Cristina Kirchner.
O mercado impulsiona a fuga de divisas e a perda no ano de cerca de 5 bilhões de dólares em reservas, à espera de uma desvalorização do peso, que acredita estar muito apreciado frente a uma inflação calculada em mais de 25% anuais por Congresso, sindicatos e empresas, explicaram analistas.
O Banco Central intervém vendendo dólares no mercado local para conter a pressão sobre o preço da moeda. E a reação de Cristina Kirchner ao nervosismo das pessoas, que fazem fila em frente às casas de câmbio, foi decretar esta semana medidas que obrigam a liquidação no mercado local de dólares provenientes das exportações de petróleo e minérios, e repatriações de fundos de seguradoras.
Nenhuma das câmaras empresariais envolvidas protestou oficialmente. O objetivo do governo é que passem pela janela do banco central argentino cerca de 6 bilhões de dólares em liquidação de exportações de empresas como a hispano-argentina Repsol e a canadense Barrick Gold ou repatriações de fundos de empresas como a britânica HSBC Seguros.
"Obviamente as pessoas esperam uma desvalorização! Quando tiram dinheiro das contas e uma passagem paga em parcelas para Miami sai mais barato do que ir para Pinamar (balneário exclusivo da Argentina), as pessoas compram dólares", disse à AFP Eduardo Blasco, diretor da consultoria Maxinver.
"Ninguém está esperando uma crise grande. Se eu fosse o governo, deixaria de vender (dólares), não faria nenhum barulho, controlaria a taxa de juros e o gasto (público) e depois esperaria a entrada de moedas", resumiu.
Argentina, manancial de dólares
Nos primeiros meses de cada ano, entram de 25 bilhões a 30 bilhões de dólares pelas fortes exportações agrícolas e alimentícias argentinas. Mas os decretos de Kirchner não surtiram efeito e continuou sem trégua a pressão sobre a taxa de câmbio de 4,26 pesos por dólar, com a venda pelo banco central de mais de 500 milhões de dólares desde a vitória de Kirchner nas urnas no domingo.
Assim, até agora no ano, as reservas caíram de um recorde histórico de 52,6 bilhões de dólares para 47,6 bilhões de dólares, sem perder solidez, segundo o banco central. "As medidas (decretos) geram um choque de oferta que reduz a pressão sobre a taxa de câmbio. Mas no longo prazo não servem para nada", disse o economista Fausto Spotorno da consultoria Orlando Ferreres e Associados.
Blasco também minimizou o efeito das medidas sobre as companhias seguradoras ao afirmar que "não há nada do outro mundo fora do país". "O que se obtém - avaliou Blasco - é o contrário. Que uma pessoa séria, que declara todo (o dinheiro), comece a ter dúvidas sobre investir. Aqui o problema não é financeiro. É necessário evitar que isso danifique a economia real, o crédito e o investimento".
A fuga de capitais poderá rondar este ano os 21 bilhões de dólares, quase o recorde de 2008 em meio à crise mundial e a dura greve agrária na Argentina, segundo a consultoria Ecolatina.
"A fuga de capitais na Argentina é um mal crônico e histórico e hoje o fenômeno que estamos vivendo é que ainda há demanda varejista", afirmou o economista Aldo Pignanelli, ex-presidente do banco central.
Pignanelli afirmou que "as empresas envolvidas na fuga de capitais não acabam reinvestindo nada no país e mandam dinheiro aos países centrais. E o consumo sente a restrição".
E justamente a força de Kirchner está na vitalidade do consumo, com uma economia que cresceu em média 8% anualmente desde 2003, ao se iniciar a presidência de seu marido, Néstor Kirchner.
Outra voz de alerta surgiu no governismo, do embaixador na França, o economista Aldo Ferrer, autor do Plano Fénix que inspirou Kirchner, ao pedir um fortalecimento do modelo econômico.
"Em um mundo tão convulsionado, é necessário fortalecer os eixos da recuperação, como a competitividade, solvência fiscal e a capacidade do país de estar parado em seus próprios recursos", disse Ferrer.
A competitividade foi fruto da desvalorização após a Argentina abandonar a paridade com o dólar instaurada nos anos 1990; e a solvência do superávit primário, ainda vivo, mas em baixa, com um gasto público que cresce 35% ao ano.