Uma reviravolta inesperada. O primeiro-ministro da Grécia, George Papanderou, surpreendeu o mundo ontem ao pedir voto de confiança no Parlamento e convocar um referendo sobre o acordo de ajuda externa ao país. A declaração rachou o próprio governo grego, enfureceu alemães e franceses, trouxe mais incertezas para a Zona do Euro, levou as bolsas para o abismo, mobilizou o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo). Como definiu o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, se o acordo for recusado na consulta popular – e as manifestações contra as duras medidas de austeridade já apontam para isso – “será um caos”. A rejeição desencadearia num calote de dívida e minaria os esforços para conter o avanço da crise no mundo. Também ameaçaria a participação da Grécia na União Europeia (UE).
Sem conhecimento do ministro das Finanças, Evangelos Venizelos, que lidera as negociações com a UE, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e os bancos, Papandreou anunciou o referendo e pretende seguir adiante. Tanto para sobreviver ao voto de confiança no Parlamento na sexta-feira quanto para aprovar o referendo, o premiê precisa de 151 votos no Parlamento de 300 cadeiras. O partido socialista Pasok, partido do governo da Grécia, controla 153 assentos na Casa.
O plano aprovado na cúpula extraordinária da Zona do Euro para garantir a sustentabilidade da dívida concede à Grécia uma ajuda financeira internacional de 100 bilhões de euros. Esse valor sobe para 130 bilhões se for levado em conta os 30 bilhões que a UE está disposta a fornecer aos credores como garantia para que assumam perdas de 50% sobre a dívida do país. Em contrapartida, a Grécia se compromete a continuar adotando uma firme política de economia, com privatizações, cortes de empregos públicos, reduções salariais e enxugamento das despesas.
Mas o referendo está em xeque. Seis expoentes do Pasok pediram a renúncia do primeiro-ministro. Eles enviaram nota a Papandreou afirmando que o país precisa urgentemente de um governo com legitimidade política, que tenha um plano para a nação e grandes habilidades administrativas. Acrescentaram, ainda, que o atual premiê não tem nenhuma dessas qualidade. O líder da oposição na Grécia, Antonis Samaras, pediu a convocação de eleições antecipadas, dispensando o pedido de referendo do governo. O partido dele, o Nova Democracia, está determinado a “evitar tais experimentos oportunistas”, diz.
Reunião de emergência
Ainda ontem, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, convocou uma reunião de emergência para debater a realização do referendo. “O anúncio surpreendeu a Europa”, disse. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, e o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, emitiram um comunicado conjunto no qual pedem que Atenas honre seus compromissos e cumpra o acordo estabelecido com a UE na semana passada. “Confiamos plenamente que a Grécia honrará os compromissos que assumiu com a Zona do Euro e com a comunidade internacional”, diz por meio do documento.
Um líder da coalizão da chanceler alemã, Angela Merkel, afirmou estar “irritado” com o anúncio de Papandreou. “Isso soa como alguém que está tentando se esquivar do que foi acordado – uma coisa estranha a se fazer”, disse Rainer Bruederle, líder parlamentar do FDP (Partido Liberal Democrata). Merkel e Sarkozy agendaram uma reunião extraordinária com Papandreou e outras autoridades europeias na tarde de hoje, antes da reunião do G20 em Cannes, na França. O medo dos investidores é de que um eventual calote na Grécia também provoque o colapso das contas públicas em economias maiores, desestabilizando o euro. (Com agências)
Brasil cobra urgência
A presidente Dilma Rousseff – que desembarcou ontem em Cannes para participar da cúpula do G20 com início amanhã – disse que apesar de o Brasil ter sido pouco afetado pelas turbulências até o momento, uma crise longa fatalmente causará efeitos maiores sobre a economia nacional. Por isso, cobrou medidas “urgentes e emergenciais” e um “plano de sustentação do crescimento”.
Os chefes de Estado do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China, com exceção da África do Sul) se reunirão para discutir a crise. Boa parte da agenda da reunião do G20 estará concentrada na situação grega e na eventual participação dos países emergentes no chamado Fundo Europeu de Estabilização Financeira, provavelmente por meio da compra de títulos de países endividados. A expectativa é de que Dilma mantenha em Cannes a mesma posição defendida em Bruxelas, durante a cúpula UE–Brasil, no início de outubro. Ela criticou o ajuste fiscal dos governos europeus como forma de reverter a crise.
Analistas dizem que investir em fundo de resgate europeu pode beneficiar o Brasil, embora o ministro da Fazenda, Guido Mantega, já tenha afirmado que o governo não tem interesse nos títulos de países europeus. No campo político, países como China e Brasil teriam, por exemplo, maior força para exigir mais voz em organismos como o FMI. No campo econômico, a ajuda à Europa, se bem- sucedida, evitaria que as exportações de emergentes para o mercado europeu fossem afetadas por uma crise na demanda.
Protesto Milhares de manifestantes se reuniram ontem na cidade francesa de Nice para exigir dos líderes do G-20 (Grupo dos 20 países mais desenvolvidos) que distribuam a riqueza mundial ao invés de salvar os bancos e privilegiar os mercados financeiros. O G-20 se reúne na cidade vizinha de Cannes, também na Riviera francesa, amanhã e depois. (Com agências)