Afetados por décadas de restrições legais, as quais o próprio presidente Raúl Castro agora considera "excessivas", os cubanos comemoraram nesta quinta-feira a lei que, pela primeira vez desde 1959, permitirá vender e comprar uma casa.
"Veio em boa hora. É uma medida extraordinária que será muito bem recebida. Agora todo mundo pode vender e comprar casas sem problemas", declarou à AFP Aida Iglesias, na "bolsa de permutas" de rua no Paseo del Prado em Havana, para onde os cubanos se dirigem para trocar suas casas.
Iglesias, uma dona de casa de 64 anos, trocou "seis vezes" até conseguir "a casa de seus sonhos" e agora quer trocá-la mais uma vez para passar a velhice perto de seus filhos. Ela pensa que o decreto para a compra e venda de moradias, promulgado nesta quinta-feira, pode "facilitar as coisas".
"Agora se você não encontrar uma boa permuta, já pode vender sua casa e comprar outra", explicou Iglesias que, como quase todas as pessoas que chegavam nesta quinta-feira à "bolsa" de Prado, não deixavam de fazer comentários sobre a última reforma aprovada pelo presidente Raúl Castro.
Para Argelio Martín, um marinheiro mercante aposentado de 68 anos, "esse decreto amplia o direito dos cubanos", e colocará fim "às ilegalidades" que existiam em torno da venda de casas.
Mais de 80% dos cubanos são donos de suas casas, não pagam impostos por elas ou pagam baixos aluguéis ao Estado, mas até agora não podiam vendê-las, apenas permutá-las, de acordo com quase 190 regras que abriam espaço a um negócio que ilicitamente movia milhares de dólares e provocava desgosto entre a população.
O decreto, que formaliza uma das medidas aprovadas em abril no VI Congresso do Partido Comunista (único), estabelece as normas para a compra e venda de residências entre cubanos ou estrangeiros residentes na ilha, assim como sua transferência em caso de divórcio, morte ou saída definitiva do país.
Uma autoridade da pasta de Habitação de Havana explicou sem se identificar à AFP que a lei marca "uma mudança substancial" frente à legislação que esteve em vigor durante meio século, pois "pela primeira vez" a vontade dos cubanos "não está limitada por lei", o que lhes permite exercer "um verdadeiro sentido de posse sobre o bem". "Isso quer dizer que podem fazer o que quiser (com a casa), sempre sujeitos à legislação em vigor", disse a autoridade.
Um dos artigos mais comemorados pelos cubanos é o que derruba o confisco de bens, incluindo a moradia, que desde a vitória da revolução em 1959 castigava os emigrantes.
Apesar de não poderem conservar a propriedade ao sair do país, poderão transferi-la antes de ir embora aos familiares ou outras pessoas com as quais tenham convivido por ao menos cinco anos.
Estas disposições podem ter grande impacto em um país com um fluxo migratório legal de 38.000 pessoas por ano. Quase 2 milhões de cubanos vivem no exterior, três quartos deles nos Estados Unidos.
Desde que assumiu o comando do país em julho de 2003, quando seu imrão, Fidel, ficou doente, Raúl Castro retirou diversas restrições e proibições "excessivas", como as que impediam os cubanos de se hospedar em hotéis, alugar automóveis, comprar celulares ou eletrodomésticos. Em setembro, autorizou a compra e venda de automóveis.
Os cubanos também exigem a eliminação da permissão ou "cartão branco" necessário para sair do país, que também tem um alto custo, e outras restrições para viajar ao exterior.
"Estamos indo lentamente, mas avançamos, e é isso que importa", disse Mayra Hernández, funcionária de um hotel em Havana, que também vê na nova lei uma oportunidade para vender seu "gran chalet" e comprar duas casas, uma para ela e outra para seu irmão.