A boa safra de trigo nos países do Mercosul e no Hemisfério Norte tem garantido a oferta no mercado interno, pressionando para baixo os preços do cereal. Mas o sufoco do produtor não chegou à mesa do consumidor brasileiro. O preço da farinha de trigo, base para a fabricação de alimentos importantes como o pãozinho, biscoitos e o macarrão, ao contrário do esperado, não recuou. Somando-se a isso, o reajuste salarial do setor de panificação deve ocorrer no próximo mês e, em plena safra, padarias não descartam o reajuste de 3% a 5%, que deve chegar entre dezembro e janeiro.
Entre abril e setembro, os preços sofreram desvalorização de 4% para o produtor e no início deste mês o cereal vindo de países vizinhos, como o Paraguai, chegou a registrar preços 25% mais baixos que o produto nacional. Apesar disso, os estoques da indústria têm garantido o preço da farinha de trigo, que segue firme. Em Belo Horizonte, de janeiro a outubro, o produto acumulou alta de 4,9% no varejo, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), medido pelo IBGE. Nas padarias, a matéria-prima também tem chegado mais cara. O mesmo pacote de 50 quilos que era comprado por R$ 61 em julho foi entregue a R$ 69,50 em outubro, uma variação de 14% em três meses.
Proprietário de uma panificadora na Região Leste da cidade, Tarcísio Moreira diz que, durante todo o ano, os preços dos produtos ficaram estáveis, mas após o dissídio coletivo dos funcionários – que ainda aguarda definição do percentual de reajuste – ele terá de elevar o preço do pão em 4,5% a partir de janeiro. “A farinha de trigo representa 35% do custo, e a mão de obra pesa 14%. As panificadoras têm um trabalho artesanal e o custo operacional se tornou muito forte”, aponta Moreira. Em Belo Horizonte, o quilo do pão varia de R$ 6 até R$ 9,90.
O assessor institucional da Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo), Reino Rae, diz que flutuações sazonais de curto prazo afetam o produtor, mas geralmente não costumam ter força suficiente para interferir no preço dos produtos finais, que os consumidores levam para casa. Segundo ele, para chegar na ponta do consumo a tendência deve ser de longo prazo. Na próxima semana, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) vai realizar leilões de subvenção para sustentar a cotação do trigo. “Os leilões devem garantir que os preços não caiam ainda mais”, avalia Rae.
Os preços do cereal devem ficar estáveis sem que a temporada de queda respingue na farinha de trigo. Segundo José Batista Oliveira, presidente do Sindicato da Panificação de Minas Gerais (SIP-MG), até ontem a desaceleração não havia chegado para a indústria da panificação. “Pelo contrário, a farinha encareceu nos últimos meses.” Segundo ele, as padarias que já reajustaram seus preços este ano devem absorver os custos do reajuste da folha. “Quem está defasado vai fazer um alinhamento abaixo da inflação. O reajuste deve ser de 3%, chegando ao máximo de 5%. Acredito que não haverá alta superior a esse índice porque não há ambiente, seria um péssimo presente de fim de ano para a população. Mesmo que o preço da farinha de trigo se mantenha estável, sem queda, os empresário vão absorver parte dos custos”, garantiu.
CONCORRÊNCIA
O trigo brasileiro compete diretamente com o produto do Mercosul e tem dificultado a vida do produtor brasileiro, que este ano decidiu não aumentar a produção. O assessor da Abitrigo, Reino Rae, aponta que a safra brasileira coincide com a dos vizinhos, o que faz o período entre setembro e dezembro farto para o mercado. Ele aponta que sem política de mercado futuro, onde capitais privados compram o estoque para vender posteriormente, o produtor colhe e comercializa a safra rapidamente para garantir financiamento da próxima lavoura. A produção concentrada no Sul do país é a que mais enfrenta desafios. “Rio Grande do Sul e Paraná já não conseguem vender de Salvador para cima, os custos não compensam.” Ele ressalta que o subsídio da Argentina para exportação da farinha de trigo tem feito com que moinhos do Sul comprem o produto para revender, deixando de fazer a moagem.