O anúncio da Grécia de que iria convocar um referendo, finalmente retirado, foi considerado uma vitória por vários movimentos sociais, mas suscitou a ira de dirigentes em mais uma constatação, segundo analistas, da crescente desarticulação entre a política e a cidadania europeias.
Vários "indignados" espanhóis, cada vez mais fortalecidos desde o início da crise, comemoraram o anúncio do primeiro-ministro grego, Georges Papandreou, de submeter à consulta popular o plano de resgate europeu da Grécia, aprovado no dia 27 de outubro em uma cúpula de Bruxelas.
"O povo grego tem o direito de decidir seu futuro. Negar a eles esta possibilidade é uma perda para a democracia", disse Roc Peris, um "indignado" de 21 anos.
A organização ATTAC (Associação pela Taxação das Transações Financeiras e pela Ajuda aos Cidadãos) também considerou a proposta como "uma conquista democrática", embora tenha classificado a decisão de "tardia".
A proposta de Papandreou causou tanto rebuliço na Europa que pouco depois foi anulada. O primeiro-ministro grego precisou dar explicações ao presidente francês, Nicolas Sarkozy, à chanceler alemã, Angela Merkel, e ao FMI, principais credores da Grécia. "Não podemos levar a felicidade aos gregos se eles não a querem", declarou o líder dos ministros das Finanças da Eurozona, Jean-Claude Junker.
Uma onda de críticas e advertências se propagou no mundo inteiro, e inclusive provocou um duro confronto entre o governo e a oposição da Grécia, culminando com confrontos no seio do partido do governo.
Finalmente, o governo grego confirmou que não haverá referendo. Mas a calma não retornou à Grécia, afundada em uma recessão que começou em 2008 e se arrastará até 2012, segundo as últimas estimativas.
Para expressar seu apoio ao povo grego, os "indignados" preparam sua marcha em direção "ao coração de Atenas" no dia 10 de novembro.
A ideia deste movimento contra as finanças globais é seguir levando às ruas milhares de pessoas, repetindo as grandes manifestações de meados de outubro que ecoaram em todos os continentes.
"Como se diz por aí: quando a democracia entra pela porta, os mercados saem pela janela", comentou à AFP Roc Peris. "Não é os mercados que devem acalmar, e sim o povo", acrescentou.
O plano de resgate à Grécia prevê uma redução de 50% da dívida grega, de 350 bilhões de euros, nas mãos de credores privados (bancos, fundos de pensão e de investimento). Ao ser iniciado, a dívida da Grécia passará de 165% de seu PIB atual para 120% em 2020.
"Deveria ser retirado o poder dos políticos", afirmou Vangelis Ipadimou, enquanto lia as manchetes dos jornais em Atenas, repletas de críticas a Papandreou.
Sob os constantes anúncios nas rádios e televisões de Atenas de mais cortes, desemprego, distúrbios, greves e a tutela de um trio composto por União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu, a vida do cidadão grego tornou-se insuportável.
Ao menos Papandreou obteve neste sábado a confiança do Parlamento em uma votação crucial para a ratificação do acordo europeu, que, em troca da ajuda à Grécia, inclui mais sacrifícios econômicos para os cidadãos.
"Os gregos deveriam ter a oportunidade de votar uma aposta semelhante, e seu destino não deveria ser decidido por líderes muito longe de suas fronteiras que eles nem sequer elegeram", opinou Peter Morici, da Universidade de Maryland.
A erupção da política no que até agora parecia um processo tecnocrático "iria ocorrer mais cedo ou mais tarde", afirmaram os analistas Shahin Vallée e Guntram B. Wolfó, do Centro Bruegel.
"O que Papandreou sugeriu é muito mais que um referendo na Grécia. Marcou o momento da verdade para a Eurozona e para toda a União Europeia", opinaram.