A um passo da ruptura, a Itália se vê desamparada pela União Europeia e pelos organismos internacionais que poderiam tirá-la do atoleiro. Ninguém tem dinheiro suficiente para fazer frente às necessidades do país, que detém 25% de toda a dívida do bloco econômico, uma montanha de 1,9 trilhão de euros. Quem poderia dar um alento aos italianos, o mercado financeiro, perdeu totalmente a confiança no país e está cobrando prêmios elevados para financiar o governo. Tanto que, ontem, os títulos da dívida italiana, com vencimento em 10 anos, fecharam com taxa recorde, 7,21% ao ano. Os de cinco anos tiveram desempenho ainda pior, terminando em 7,56% — o que, segundo especialistas, é um claro sintoma de que o mercado está vendo risco iminente de um calote.
Especialistas alertam que se a situação não mudar, a Itália, que hoje é o terceiro maior mercado de títulos públicos do globo — atrás de Japão e Estados Unidos —, pode gerar problemas maiores do que os vistos após a falência do banco norte-americano de investimentos Lehman Brothers em 2008. “Em um cenário no qual a Itália não consegue se salvar, teremos consequências iguais ou piores que as geradas pela quebra do Lehman Brothers”, frisou Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Banking Corporation (ABC Brasil). De acordo com relatório do Banco Barclays, a Itália “já pode ter passado do ponto de não retorno.” “A experiência histórica sugere que a dinâmica negativa do mercado que ameaça a Itália é muito difícil de ser quebrada”,
Sem se aproximar de solução alguma, o máximo que os líderes europeus conseguiram foi a intenção de renúncia de Berlusconi e quatro nomes para o substituir: Angelino Alfano (secretário-geral do Partido da Liberdade), Giuliano Amato (ex-primeiro-ministro), Mario Monti (economista) e Gianni Letta (subsecretário do atual gabinete). Entretanto, a troca é vista só como um movimento para tentar devolver a confiança do mercado, uma vez que na prática, na visão de analistas e autoridades, a economia italiana desmorona lentamente e arrasta o euro. “Qualquer solução passa por um fortalecimento do FMI e do Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (Feef). Sem isso, as duas instituições ficam amarradas, sem recursos suficientes para salvar a Itália”, argumentou Leal.
O presidente italiano, Giorgio Napolitano, tenta manter o otimismo e acredita que a situação vai melhorar depois da aprovação da nova lei de estabilidade financeira e da saída de Berlusconi. “Dentro de pouco tempo, ou um novo governo será formado, que pode tomar mais decisões necessárias com o apoio do Parlamento, ou o Parlamento será dissolvido e uma campanha eleitoral começará dentro de um curto espaço de tempo”, disse. A oposição tem pressa e quer as reformas aprovadas na segunda-feira.
Ventos melhores aqui
Uma belo-horizontina, um primeiro-ministro de direita e uma Roma caótica trouxeram Maurizio Gallo à capital mineira em 2005. “O premiê Silvio Berlusconi foi reeleito e não havia uma liderança de esquerda. O euro não foi legal para nós. Uma conjunção de fatores me trouxe para cá”, disse. E a perspectiva nada boa não o faz pensar em voltar. “A situação é complexa porque a Itália vai mal e toda a Europa também. Ao mesmo tempo o Brasil está bombando ”, afirmou. Depois de deixar o trabalho de exportação e importação pela burocracia, Gallo abriu um restaurante de comida italiana da Zona Sul da cidade. Daqui, sente os reflexos, mas, no caso, os bons. Como o consumo é menor na Zona do Euro, os produtos são direcionados a mercados consumidores, como o brasileiro. Assim, a maior oferta fez os preços da massa, do tomate e do vinho caírem.
Já Paolo Casadonte saiu ainda criança de Turim, uma das cidades industriais mais importantes da Itália, no início dos anos 1970. A família desembarcou no Brasil para erguer a fábrica da Fiat em Betim (Grande BH). Em 2003, tornou-se no país o presidente da transportadora Ventana Serra, controlada pelo grupo multinacional Arcese. Hoje, acredita que a exploração do mercado automotivo mineiro – assim como negócios na área de aço, alimentos, moda e tecnologia – podem contribuir para amenizar a turbulência econômica italiana, agravada nos últimos dias pela crise política.
Sob a ameaça da dívida da Itália ser novamente rebaixada com a disparada dos juros, os próximos passos a se observar podem ser dados até o fim da semana pelo presidente do Senado, Renato Schifani, que pretende submeter o pacote de austeridade a uma votação definitiva, e pelo presidente da Câmara dos Deputados, Gianfranco Fini, que enviará o conjunto de leis ao plenário até domingo. Se as medidas forem aprovadas, Berlusconi terá deixar o cargo de primeiro-ministro, conforme prometeu na terça-feira.
“O Brasil, e especialmente Minas Gerais, tem mercado promissor para os italianos, talvez pelas vocações que o estado tem. Recebo, a cada semana, consulta de compatriotas querendo se instalar aqui”, afirmou Casadonte, que também é conselheiro da Câmara Ítalo-Brasileira de Comércio, Indústria e Agricultura. No sentido contrário, Minas pode sim, segundo ele, ampliar os embarques para a Itália, a terceira maior economia da Zona do Euro. Para ele, falta uma liderança para tirar o país da crise e, quando isso acontecer, o Brasil poderá crescer junto.
E Minas já surfa nesse mercado. O estado faturou US$ 1,005 bilhão com as vendas para a Itália de janeiro a setembro, alta de 86% em relação ao mesmo período do ano passado. A Itália é o oitavo principal país de destino dos produtos mineiros. No caminho inverso, importou US$ 786 milhões nos nove primeiros meses do ano, avanço de 24% ante igual intervalo de 2010.