Os produtores mineiros de ferro-gusa, matéria-prima essencial na fabricação de aço, sentem os primeiros efeitos do agravamento da crise internacional sobre a indústria no estado. Com a drástica redução de encomendas no exterior e, agora, no Brasil, o setor guseiro passou a trabalhar com 35%, ou seja, pouco mais de um terço, a no máximo 40% da sua capacidade de produção. Nos últimos dois meses, as empresas de Sete Lagoas, na Região Central de Minas, principal polo do segmento, abafaram seis fornos, dispensando 750 trabalhadores, cerca de 30% da mão de obra empregada nas usinas, conforme levantamento do sindicato local dos metalúrgicos. Acordos para conceder férias a outros 350 empregados estão sendo negociados pela entidade com empresas que vão aproveitar a redução da atividade para fazer manutenção nos equipamentos, à espera de uma reação das vendas.
Desde a turbulência na economia mundial em 2008, os fornecedores de gusa vinham tentando recuperar as exportações e chegaram a operar com 60% da capacidade de produção no primeiro semestre deste ano, mas o exterior já não garantia os negócios, uma vez que os principais clientes estão nos Estados Unidos, no Japão e em Taiwan. Os pedidos vinham sendo mantidos pelo mercado interno, para atender as fundições de peças para a indústria automotiva, que reduz as compras há três meses. O avanço dos importados no mercado brasileiro contribuiu, da mesma forma, para diminuir as encomendas das aciarias e das fundições, informou Bruno Melo Lima, diretor comercial da Metalsider, de Betim, na Grande Belo Horizonte, e representante do conselho administrativo do Sindicato da Indústria do Ferro de Minas (Sindifer).
A produção mensal do setor em Minas baixou de 250 mil toneladas de gusa para as atuais 190 mil toneladas. A situação se agravou quando as empresas nem haviam voltado a preencher o tradicional ritmo das usinas, de 450 mil toneladas mensais antes da crise de 2008, lembrar Bruno Melo Lima. “Ainda não percebemos qualquer luz nova no cenário em que as empresas trabalham. Torcemos para que o mercado interno se reaqueça e as indústrias do aço de autopeças deixem de sofrer tanto a pressão dos produtos importados”, afirma o representante do Sindifer-MG.
Em Sete Lagoas, o número de empregados do setor guseiro, que alcançava cerca de 5 mil em 2008 baixou a 2,6 mil em agosto e hoje gira ao redor de 1,8 mil pessoas, estima Ernane Geraldo Dias, presidente do sindicato local dos metalúrgicos. Dos 37 fornos das usinas locais , só 12 estão em operação. “Tomara que a situação não volte à crise de 2008. Algumas empresários acreditam que a situação vai melhorar em janeiro”, afirma o sindicalista.
O setor aguarda uma reação do mercado externo, segundo Afonso Gonzaga, presidente da regional da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) no Centro-Oeste, que concentra boa parte das empresas mineiras de gusa e fundição. “Não enxergamos outro cenário para que as empresas possam retomar a capacidade de produzir”, afirma. No caso da indústria da fundição, a expectativa é de crescimento de 12% no fechamento deste ano, puxado pelos setores automotivo, de saneamento básico e de máquinas e equipamentos.
Demissões Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicaram uma queda de 2,7% da produção industrial mineira em setembro, na série com ajuste sazonal, quer dizer, retiradas as influências momentâneas sobre o índice, em relação a agosto. Frente a setembro de 2008, portanto, antes da crise financeira mundial, a retração foi de 7,5%. O analista Antonio Braz Oliveira e Silva, do IBGE, observa que o forte peso da indústria do gusa em Minas tem impacto principalmente sobre o emprego. O segmento sofreu uma baixa de 1,10% da produção no acumulado do ano e de 0,61% nos últimos 12 meses, base de comparação em que o total da indústria mineira ainda mostrou números positivos, de 0,8% e 2,2%, respectivamente.
“Os efeitos das demissões são muito fortes em cidades como Sete Lagoas e todo o Centro-Oeste porque elas são muito dependentes da atividade”, diz Braz Silva. A alternativa para ex-empregados das empresas de gusa é buscar trabalho em outras atividades, como a construção civil. É a luta de Márcio José de Souza, demitido em setembro, quando já havia completado nove anos de trabalho no setor. Pai de dois filhos ainda na escola, ele sabe que o Natal vai ser magro, mas seu maior receio é o começo de 2012. “Aí vem um monte de contas, como impostos, material escolar. Espero que a situação melhore até lá”, diz. Nelson Geraldo de Souza, que, depois de 10 anos na mesma empresa, também foi demitido em setembro, cortou despesas com três filhas na escola. “Estou tendo que equilibrar o orçamento pelo menos até voltar a estabilizar a renda”, afirma.
Empresas colocam o pé no freio
As empresas brasileiras estão mudando os planos de investimento neste fim de ano. A crise na Europa começa a afetar os canais de financiamento e, o setor produtivo brasileiro, já mal das pernas, se viu obrigado a botar o pé no freio na demanda por crédito. De acordo com uma pesquisa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), que tenta antecipar os dados do Banco Central que serão divulgados amanhã, o volume de recursos emprestados na mão das empresas cresceu apenas 0,65% em outubro — um dos piores desempenhos do ano, segundo a instituição. Os números da gestora de risco Serasa Experian são ainda piores que os dos banqueiros e confirmam o momento ruim, entre setembro e outubro o tombo foi de 4,2% na busca por recursos. Os dados apontam para uma desaceleração nos investimentos e também redução no volume de recursos disponíveis no sistema financeiro com condições mais favoráveis.
O segmento mais afetado foi o de micro e pequenas empresas, que depois de cair 7,1% em setembro, recuou 4,5% em outubro. O restante está em situação bem mais favorável, as de porte médio ainda positivo em 0,8% no mês passado, e as grandes com 1,6%. Para Luiz Rabi, gerente de indicadores de mercado da Serasa, o cenário esta se aproximando do de 2008, quando o banco Lehaman Brothers quebrou, o mercado entrou em colapso e as firmas de porte maior tiveram suas linhas de crédito internacionais interrompidas.
Prioridade “As grandes e médias estão com dificuldade de captar recursos lá fora e se voltaram para o mercado doméstico”, explicou. “Assim, os bancos estão dando prioridade para elas no lugar das micro e pequenas, que são avaliadas como de maior risco", disse. Na avaliação da Febraban, ainda há dúvida se essa desaceleração foi pontual ou se reflete uma situação econômica menos favorável e maior critério dos bancos nas concessões. Enquanto as empresas pisaram no freio no mês, as famílias aceleraram. O crédito voltado para o consumo avançou 1,54%. Com isso, o saldo total das operações do sistema bancário atingiu R$ 1,96 trilhão, o equivalente a 48,7% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país).