O mundo após uma terceira guerra mundial é ainda especulação apenas de filmes de Hollywood, mas o desfecho da terceira guerra cambial, já em curso, será um cenário de caos no sistema financeiro internacional, segundo o americano James Rickards, autor do livro "Currency Wars: The Making of The Next Global Crisis", que acaba de ser lançado nos Estados Unidos. Rickards, 60 anos, atualmente diretor-gerente da consultoria Tangent Capital Partners, foi o principal negociador do socorro financeiro ao fundo Long-Term Capital Management (LCTM) pelo Federal Reserve de Nova York em 1998.
Em entrevista exclusiva ao jornalista Fábio Alves, da Agência Estado, Rickards diz que o dólar irá perder o seu papel de moeda de reserva mundial. "É inevitável", diz o economista americano, de 60 anos, e com longa carreira no mercado financeiro, incluindo no currículo postos no Citibank e Royal Bank of Scotland. Quem assumirá esse papel será provavelmente o Direito Especial de Saque (SDR, na sigla em inglês), a moeda do Fundo Monetário Internacional (FMI).
No livro, Rickards diz que a primeira guerra cambial aconteceu nos anos de 1920 e 1930, levando aos conflitos militares encabeçados pela Alemanha nazista. A segunda guerra cambial foi travada na década de 1970, resultando na escalada inflacionária naquele período. A terceira guerra cambial foi alertada em 2010, pelo ministro da Fazenda brasileiro Guido Mantega e, segundo Rickards, é culpa do Federal Reserve americano.
Apocalipse do dólar - No livro, Rickards traça quatro cenários para o futuro no sistema financeiro internacional que chama de "os quatro cavaleiros do apocalipse do dólar". O primeiro cenário seria um mundo de múltiplas moedas de reservas. Atualmente, o dólar detém cerca de 60% das reservas totais, caindo de um patamar de 70% do total em 2000.
Nesse cenário, o dólar cairia para um nível de 40% das reservas totais no mundo e o euro avançaria do patamar atual de pouco mais de 30% para também 40%, além de outras moedas, como o franco suíço e até o yuan e o real, também detendo um papel mais relevante nas reservas mundiais. "Muita gente acha que isso irá acontecer, mas a minha crítica a esse cenário é a falta de uma âncora", justifica.
O segundo cenário desenhado seria um maior papel para o Direito Especial de Saque (SDR, na sigla em inglês) do Fundo Monetário Internacional. "Não é só o Federal Reserve (Fed) e o Banco Central Europeu (BCE) que dispõem de uma impressora para rodar mais dinheiro quando eles precisam, o FMI também tem uma e pode imprimir SDR, que serviria então como uma moeda global, sem ter um lastro específico", comenta. Segundo ele, a direção para atuação do FMI atualmente tem sido dada basicamente pelo G-20. Assim, o FMI seria então uma espécie de banco central mundial com o G-20 servindo como a diretoria desse BC. " Daí, a próxima vez que tivéssemos uma fase aguda de crise financeira internacional, como aconteceu em 2008, o FMI poderia imprimir SDR", avalia.
O terceiro cenário seria o retorno ao padrão-ouro. "Mas seria um novo padrão-ouro, mais flexível e adaptado ao século 21", adverte. "Ao longo da história, tivemos padrão-ouro com lastro de 20%, 40% em ouro. Há quem defenda um lastro de 100%", completa.
O quarto cenário seria o caos. "Acho que seja o cenário mais provável porque, numa combinação de atitudes de negação ou de 'wishful thinking' pelos políticos, estamos chegando num ponto em que as pessoas estão perdendo muito rapidamente confiança no dinheiro, o que forçará líderes mundiais, incluindo o presidente dos Estados Unidos, a agir com medidas arbitrárias para impor ordem no sistema de novo. No final, será uma corrida apertada entre as opções de um cenário com SDR ou com padrão-ouro, mas a alternativa SDR parece ser a favorita entre presidentes de bancos centrais e executivos de instituições financeiros", vaticina o especialista.
Seria necessário então chegar ao caos para que os líderes mundiais possam redesenhar o sistema financeiro internacional? Para Rickards, trata-se, de fato, de uma das formas para que o processo seja acelerado. "Quando eu falo na opção do FMI, na realidade quero dizer que o FMI é um instrumento de consenso que está sendo formado no âmbito do G-20. O mundo está se movendo em direção aos SDR. Esse movimento pode ser acelerado se houver uma piora na crise e o FMI seja forçado a imprimir SDR rapidamente", justifica.
Ele aponta para os acontecimentos de hoje na Europa como exemplo. "Na última reunião do G-20 em Cannes, no início deste mês, houve discussões informais sobre o uso do SDR. Se houver uma corrida aos bancos europeus e se o BCE não intervir mais energicamente, poderemos ver emissão maior de SDR", informa. E acrescenta: "Toda essa arquitetura está sendo montada pelo FMI, porque você não pode assumir o papel de moeda de reserva sem ter ativos que possam servir como instrumentos de investimento, isto é, os países precisam de um instrumento para aplicar suas reservas, daí a demanda por emissão de bônus denominados em SDR, inclusive por emissores privados, como corporações internacionais. A grande mudança teria de envolver a ampliação da cesta que compõe o SDR, para incluir moedas como o yuan da China e o real do Brasil, o que exigiria maior uso dessas moedas internacionalmente, mesmo que elas não possam ter liquidez suficiente para ter um papel de moeda de reserva."
Mudança Inevitável? - Parece, portanto, inevitável que o dólar perca seu papel de moeda de reserva. "Está acontecendo. Estamos nesse caminho", avaliza o autor do livro. "Contudo, a minha primeira opção para moeda de reserva mundial seria o que chamo de 'dólar rei', ou seja, um dólar forte no sistema financeiro internacional. Para que isso aconteça é preciso um conjunto de medidas nos Estados Unidos, como taxa de juros mais elevada e menor nível de impostos para que a economia americana possa crescer, pois se a economia americana não estiver crescendo robustamente, então o dólar não será no longo prazo uma moeda atraente para servir de moeda de reserva mundial. Infelizmente, o que temos hoje nos Estados Unidos é uma política para um dólar fraco."
Rickards marca o SDR como vencedor da guerra cambial de hoje, apesar de achar surpreendente que muita gente saiba pouco o que seja o SDR. Para ele, para ser uma moeda de reserva é necessário haver um grande volume de ativos negociáveis, com liquidez e fáceis de serem financiados, além de atrativo do ponto de vista dos investidores internacionais. "Hoje, apenas o dólar, o franco suíço, o euro e a libra esterlina se qualificam para esse papel. As outras moedas não atendem a esses requisitos, mas talvez o atalho para isso seria a ampliação da cesta do SDR para incluir várias outras moedas", contrapõe.
Eu seu livro, menciona as guerras cambiais 1, 2 e 3. A guerra cambial 3 começou, na opinião do autor, em 2010. "Acredito que os Estados Unidos sejam os maiores manipuladores cambiais do mundo porque isso é, de fato, o propósito dos programas de afrouxamento quantitativo (QE, na sigla em inglês), os chamados QE1 e QE2, agora o Fed tem em curso a operação 'twist'. A maioria das pessoas pensou que o objetivo do Fed era baixar as taxas ao longo da curva de juros do mercado americano para monetizar a dívida do governo dos Estados Unidos, mas o principal objetivo, na verdade, era enfraquecer o dólar porque não temos crescido o suficiente", ilustrou.
Na sua opinião, entre os elementos do crescimento econômico - consumo, investimento, gasto do governo e exportações líquidas - restaram apenas as exportações líquidas para impulsionar a atividade econômica. "E o governo vem desesperadamente fazendo isso por meio de um dólar mais fraco. Foi isso que deu origem a guerra cambial", argumenta.
Medidas de proteção -O que países como o Brasil podem fazer para se proteger dessa arma que os Estados Unidos vêm utilizando, que é o dólar fraco? Rickards diz que infelizmente, o Brasil e outros países em situação similar, como a Coreia do Sul, Tailândia, Taiwan e Indonésia, que têm em comum um setor exportador grande e são afetados pela guerra cambial, nunca poderiam superar a capacidade do Fed em imprimir dinheiro, talvez apenas a China tenha capacidade próxima da dos Estados Unidos.
"Então, aqueles países terão de lançar mão de outras medidas para se defender da guerra cambial. Uma maneira é por meio do controle de capitais. Mas a primeira coisa a fazer é cortar suas taxas de juros. Talvez a principal razão de o Banco Central brasileiro ter reduzido a taxa de juros foi combater a guerra cambial, pois muitos produtos exportados pelo Brasil hoje, como os aviões da Embraer e também os produtos têxteis, são afetados pelo câmbio", reflete. "No fim das contas, incluindo medidas de controle de capital, você vê os países lutando nessa guerra cambial com as armas de que dispõem. E não é só o Brasil, mas você vê também outros países como a Suíça adotando esse tipo de medidas."