Depois de ser considerada por muito tempo como um problema periférico, a crise na Europa desembarca na Alemanha, a maior economia do continente, e reabre a onda de incertezas. Berlim rejeitou ontem o plano da União Europeia para salvar o euro e incendiou os mercados diante da indefinição sobre qual será o caminho que o bloco tomará para salvar a zona do euro. Os investidores responderam imediatamente e o Tesouro alemão não conseguiu atrair demanda na emissão de papéis da dívida.
O fracasso no leilão dos títulos alemães associado a relatório do banco central da Grécia alertando sobre o risco de o país sair da zona do euro fizeram os mercados despencarem em todo o mundo e o dólar subir. No Brasil, a moeda fechou o dia com alta de 3,16% a R$ 1,863.
O decepcionante retorno na emissão alemã ocorreu depois de a chanceler Angela Merkel anunciar que não apoiaria o ambicioso projeto apresentado pela Comissão Europeia de criar eurobônus, intervir diretamente no orçamento de cada país da zona do euro e rever até a noção de soberania para obrigar governos a serem resgatados. Merkel foi clara: "Isso não vai funcionar".
Berlim tentou minimizar o fracasso, dizendo ser um reflexo da deterioração generalizada do bloco. "Isso não significa que exista um obstáculo para o financiamento do orçamento", afirmou Joerg Mueller, porta-voz do Tesouro alemão.
Nem todos estão de acordo. "Já se está dizendo no mercado que a Alemanha não é o santuário que se imagina", afirmou o UBS. "Foi um completo desastre", afirmou Marc Ostwald, analista Monument Securities de Londres. "Isso não é um bom sinal", disse.
Imediatamente após o problema enfrentado pela Alemanha e a avaliação do mercado de que a França não pode mais ser avaliada como AAA, o euro sofreu uma dura queda. Para o Danske Bank, a venda fracassada reflete "a desconfiança profunda no projeto do euro".
Soberania - Ao anunciar uma proposta de maior controle sobre a zona do euro, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, foi enfático ontem. "A zona do euro está ameaçada e será impossível salvá-la de um colapso se não houver um controle central sobre como governos gastam dinheiro e como coletam impostos."
Pelo projeto, a UE teria poderes de avaliar orçamentos nacionais e rejeitá-los se não ficar claro como um país pretende se financiar. Barroso garantiu que não se trata de uma erosão do poder dos parlamentos, mas "soberania compartilhada". "Isso é melhor do que entregar a soberania real a mercados e especuladores", alertou.
O projeto ainda prevê um monitoramento permanente da UE sobre as contas dos Estados e o poder de obrigá-los a pedir um resgate se ficar provado que não têm como pagar pelo menos 75% de suas dívidas. Se o projeto tem o apoio de países periféricos, Merkel foi contundente. "O projeto é inadequado e lamentável."
Merkel classificou como "extremamente preocupante" o fato de a UE fazer tais propostas. Na prática, países como Alemanha ou Finlândia não querem compartilhar o custo de suas dívidas com os demais governos e nem continuar bancando estados falidos. Barroso contra-atacou e, visivelmente irritado com a posição de Merkel, alertou que não cabe a um país "dizer já de início que um debate não deve nem ocorrer".