Quem ouvir a segunda música do álbum Samba da roça, do grupo Cachaça com Arnica, pode até achar que o primeiro verso começa com um erro grosseiro de ortografia: “Firvi de raiva”, que também é o título da canção. Mas o verbo ferver foi grafado errado propositalmente. Os músicos, explicam, fizeram um trocadilho inspirado no nome da empresa Firv Consultoria e Administração de Recursos Financeiros, do empresário Thales Maioline, conhecido como Madoff Mineiro. Ele está preso desde dezembro de 2010, acusado de dar o golpe da pirâmide em cerca de 2 mil investidores que aplicaram suas economias com a promessa de receber rendimentos expressivos. Calcula-se que o prejuízo some cerca de R$ 100 milhões.
Thales prometia rendimento mensal de 5% e bônus semestral acima de 10%. Os percentuais superam – e muito – o rendimento médio mensal da caderneta de poupança: 0,6%. Os vantajosos índices atraíram vítimas de Belo Horizonte e de outras 13 cidades do interior de Minas, principalmente de Itabirito, onde o investidor deu origem à pirâmide. Muitas vítimas venderam parte do patrimônio ou se endividaram com parentes e amigos para ganhar o dinheiro fácil prometido pelo dono da Firv. Boa parte perdeu menos de R$ 100 mil, mas há relatos de que o prejuízo de algumas pessoas teria superado R$ 1 milhão.
O Cachaça com arnica também é de Itabirito. Depois de ouvir várias histórias sobre o golpe, os músicos aproveitaram um bate-papo regado a cerveja para compor “Firvi de raiva”, uma sátira à fraude de Thales. Diz a primeira estrofe: “Firvi de raiva/ apliquei onde não devia/ vendi carro, casa, lote/ peguei dinheiro emprestado com a tia./ Era certeiro/ falava um lance burguês/ no banco era meio por cento/ com o cara era 11% ao mês”. A música não cita o nome do empresário preso. Não precisa: o trocadilho com o título é o bastante para confirmar o velho ditado de que, “para o bom entendedor, um pingo é letra”.
“Estávamos num boteco (conversando sobre o Madoff mineiro). Em tom irônico, soltei a expressão: ‘Firvi de raiva’. A turma gostou. Pegamos a caneta e começamos a escrever a letra. Cada um do grupo foi acrescentando um verso, modificando outro. A intenção não foi denegrir a imagem de ninguém. Pelo contrário: alertar as pessoas para que não caiam mais no conto do vigário. É uma prestação de serviço”, disse Márcio Lima, vocalista, compositor, flautista e violonista da banda.
Origem
O apelido de Thales é uma referência ao megainvestidor norte-americano Bernard Madoff, conhecido mundialmente por dar o mesmo golpe em Wall Street. Lá, o rombo seria em torno de US$ 50 bilhões e foi descoberto em 2009. Já o esquema da pirâmide do empresário mineiro começou a desmoronar em 2010. Em 22 de junho do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emitiu nota alertando a população de que a Firv operava sem registro para ofertar, constituir e administrar fundos de investimento. Em 23 de julho, o empresário fugiu do Brasil. No mês seguinte, considerado foragido, sua prisão preventiva foi decretada.
Depois de se esconder na selva amazônica e na Bolívia, Madoff se entregou à polícia mineira em dezembro passado. Seus advogados impetraram cinco pedido de soltura à Justiça. Todos foram negados pelos magistrados. O último, encaminhado à 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, foi indeferido em julho de 2011. Os investidores, por outro lado, ainda lutam na Justiça para resgatar pelo menos parte do prejuízo. O escritório de advocacia que defende Thales preferiu não comentar a sátira do grupo de samba e chorinho formado por Marcelo Lima Fuim, Pirulito da Vila, Manuel de Assis, Nilberto Braga Péia, Marcelo Lima e Wellington Cenourinha.
Saiba mais
Pirâmide financeira
O esquema da pirâmide ocorre quando o dinheiro de novos investidores banca o rendimento daqueles que estão no topo. Portanto, há sempre a necessidade de mais aplicadores. O sistema desmorona quando os recursos dos novos investidores não é suficiente para garantir o ganho dos antigos aplicadores.