A virada do ano não deve afastar o clima de indefinição econômica na Zona do Euro. Para os analistas, pelo contrário, a crise da dívida deve se arrastar por um longo período e a desconfiança dos investidores pode se agravar ao longo de 2012. No próximo ano, mais de 1,35 trilhão de euros em títulos soberanos de países da União Europeia vencerão e terão que ser rolados no mercado, dos quais mais de 600 bilhões são dos chamados Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha), os mais afetados pelo clima de incerteza. Mesmo nações poderosas, como França e Alemanha, vêm sendo obrigadas a pagar juros elevados para renovar seus débitos, e a perspectiva de uma recessão em boa parte das economias do continente parece cada vez mais próxima.
Não à toa, a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, vem fazendo seguidos alertas sobre a gravidade do problema. Numa entrevista publicada ontem por um jornal francês, ela afirmou que “a economia mundial está numa situação perigosa”. Para Lagarde, a Europa vive “uma crise de confiança na dívida pública e na solidez do sistema financeiro”, cujos efeitos se espalham pelos demais continentes, sem poupar ninguém. Por conta disso, em janeiro, o FMI vai reduzir a previsão, feita em setembro, de que a economia global crescerá 4% no próximo ano.
Embora afastem a possibilidade de ruptura, com a quebra de bancos e calotes dos governos mais frágeis, economistas afirmam que o grau de desconfiança e instabilidade em 2012 estará atrelado ao desempenho do Banco Central Europeu. Depois de anunciar, na semana passada, uma linha de quase 500 bilhões de euros em empréstimos de três anos para os bancos do continente, e prometer um segundo leilão para fevereiro, a instituição assumiu o papel de fiel da balança.
Blindagem
Na prática, a autoridade monetária europeia deu uma sinalização aos investidores de que o sistema bancário estará protegido. “Ainda que não assuma claramente a função de fiador dos governos em crise, o BCE está garantindo liquidez aos bancos e dando o recado: por três anos, eles não quebrarão”, analisa o economista-chefe do banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.
O socorro dará ainda às instituições financeiras a possibilidade de reforçar o caixa com operações conhecidas como arbitragem de juros. Nilton Rosa, economista-chefe da corretora SulAmérica Investimentos, explica que o ganho resultará da aplicação dos recursos tomados no BCE, ao custo de 1% ao ano, em títulos soberanos que rendem até 7%. “Em contrapartida, você acaba limitando o avanço das taxas de retorno que os credores pedem para comprar os títulos públicos”, estima. O reflexo disso pode ser algum alívio para os países endividados.
Na avaliação de Leal, os países que se sairão melhor nessa corrida pela recuperação são aqueles que ainda despertam alguma confiança dos credores. “A Espanha tem uma dívida menor em relação ao PIB do que a Itália, só que o desemprego está altíssimo e fica mais difícil aplicar mais medidas de restrição fiscal. O resultado é que os investidores sobem ainda mais os juros”, pondera.
Embora a ação do BCE afaste o risco de quebradeira, os economistas são unânimes em estimar uma recessão demorada na Zona do Euro. Para Leal, a recuperação só virá por meio de uma desvalorização acentuada da moeda, que dê a países como a Alemanha condições de aumentar as exportações. “A capacidade alemã de puxar a economia do bloco não pode ser subestimada” comenta. Para Rosa, entretanto, a solução é mais complexa. “É preciso completar a união monetária com uma união fiscal e política. Esse processo levará mais tempo”, conclui.
Foi o que tentaram fazer os líderes europeus no início de dezembro. Num acordo do qual apenas a Grã-Bretanha ficou de fora, eles anunciaram que haverá regras orçamentárias cujo cumprimento será fiscalizado com mais rigor. Mas a própria diretora do FMI mostra ceticismo sobre os resultados da decisão. “A cúpula não alcançou termos financeiros detalhados o suficiente e foi muito complicada nos princípios fundamentais”, afirmou Christine Lagarde na entrevista publicada ontem. “Seria bom se os europeus falassem como uma só voz e anunciassem um cronograma simples e detalhado”, completou. “Os investidores estão esperando. Grandes princípios não impressionam.”
Visão otimista
O ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schauble, afirmou ontem que os mercados financeiros europeus não sofrerão uma quebra em 2012. “Penso que a situação é controlável. Na União Europeia, há uma grande determinação para manter uma situação estável”, assegurou Schauble ao jornal Bild am Sonntag. “Ainda haverá algumas surpresas e agitações, mas estamos em posição de enfrentá-las. Aconselho um pouco mais de calma”, acrescentou. O ministro se disse convencido de que os investidores recuperarão a confiança na Zona do Euro. “A Europa é uma das regiões econômicas mais poderosas do mundo”, disse.
Emergentes já sofrem
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Christine Lagarde, fez um alerta também para os países emergentes, afirmando que eles já estão sendo afetados pelas turbulências da Zona do Euro. Ao citar Brasil, China e Rússia, ela foi categórica: “Esses países, que tinham sido os motores da economia mundial antes da crise, vão sofrer com a instabilidade”, disse, em entrevista publicada ontem pelo diário francês Journal du Dimanche.
Análises sombrias sobre os efeitos do imbróglio europeu na economia global têm sido cada vez mais frequentes. Uma das mais pessimistas é a do Banco Itaú, que prevê uma queda de 1,1% do Produto Interno Bruto (soma da produção de riquezas) dos 17 países da Zona do Euro em 2012. Essa forte retração, segundo o banco, terá impacto considerável sobre a economia brasileira, que, depois de crescer 7,5% em 2010, terá uma expansão de apenas 2,8% neste ano e de 3,5% em 2012.
Em relatório divulgado na semana passada, a instituição lembra que o país estagnou no terceiro trimestre. “A economia está desacelerando e deverá continuar nesse ritmo. As exportações, por enquanto, não foram afetadas pela queda na atividade econômica global. Abaixo desse cenário nebuloso, a demanda doméstica não deve responder rapidamente aos estímulos do governo”, alerta o chamado “Livro Laranja”, assinado pelo economista-chefe da instituição, Ilan Goldfajn.
A estimativa do Itaú para a Zona do Euro é bem pior que a da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), que espera que o bloco ainda cresça 0,4% no próximo ano. Para o banco, em 2012 o PIB global deve avançar 2,7%, o dos Estados Unidos, 1,5% e o da China, 7,8%, bem abaixo do patamar dos últimos anos.
Goldfajn lembra que a redução do crescimento da China, que absorve 16,5% das exportações brasileiras, terá um impacto importante nos preços das commodities, já que as cotações dessas mercadorias (minérios e produtos agrícolas negociados no mercado global) caem 5,3% a cada queda de 1% no PIB chinês. O estudo observa ainda que as condições de crédito estão se deteriorando, principalmente lá fora. (Rosana Hessel)