O líder de problemas é o sistema de freios, com quase um quinto do total de campanhas de 2002 para cá. No período, mais de 560 mil veículos foram convocados para revisão. É o caso do Ford Ranger, que, em dezembro do ano passado, apresentou defeito de produção numa peça que resultava no deslocamento da caminhonete quando estava estacionada, com risco de acidentes e lesões. Ao identificar o problema, a montadora convocou 16.455 proprietários para revisão, mas apenas 2.402 (14,6%) procuraram a Ford para o recall. Comprovando tratar-se de altos riscos para os motoristas, na sequência da lista de primeiros colocados encontram-se sistemas importantes para o funcionamento normal do veículo: elétrico/eletrônico (18,47% das campanhas); de combustível (12,14%) e de direção (8,71%).
Apesar do alto número de convocações para recall, é provável que o total de veículos defeituosos esteja abaixo do real. Isso porque a convocação para campanhas depende muitas vezes de posicionamento da montadora, tornando o consumidor refém. “No exterior, há muito mais campanhas. Aqui, (os defeitos) ainda passam despercebidos, o que gera uma grande dependência do fabricante”, afirma a especialistas em Defesa do Consumidor da Fundação Procon-SP Cleni Leal. Na tentativa de evitar subnotificação, a Fundação Procon-SP faz monitoramento constante dos casos de recall no exterior. A proposta é saber se automóveis defeituosos foram comercializados também no país. A cada novo caso a montadora é questionada.
Ela recorda o caso envolvendo o Fox, da Volkswagen. A montadora se recusava a admitir falha e necessidade de recall no modelo, que resultou no decepamento de dedos de pelo menos oito pessoas. Depois de adaptações no porta-malas, o dedo do usuário ficava preso numa alça que funcionava como uma espécie de guilhotina. Apenas depois de intervenção do Ministério da Justiça é que quase 500 mil consumidores foram chamados para solucionar o defeito. “Se é um defeito e a empresa faz a convocação, é porque é grave”, afirma Cleni, ressaltando que os órgãos de defesa do consumidor no Brasil consideram necessário fazer recall apenas quando o problema afeta a saúde e a segurança, enquanto os demais casos são tipificados apenas como vício.
Carteira vai ter aviso de descumprimento
Mas, em março, entra em vigor portaria do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) segundo a qual, no caso de não ser feito o recall, haverá uma observação no Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) constando que aquele automóvel tem defeito de fábrica. Com isso, no caso de venda do carro, possivelmente ele terá seu valor reduzido. “Existe uma falha dupla. Enquanto o consumidor brasileiro é pouco preocupado com o risco, as empresas fazem uma divulgação falha, escolhendo horários pouco adequados por questão de custo ou até mesmo deixando de divulgar a necessidade de recall”, afirma a especialista do Procon-SP.
Há dois anos, a professora Renata Kirkwood descobriu um problema no seu Toyota Corolla. Assim como ocorreu com outros consumidores, o carro apresentava o problema de aceleração espontânea. Ligado, o veículo sofria aumento brusco da velocidade sem que o motorista pisasse no pedal. À época, a empresa relacionou o problema a uma falha na fixação do tapete, mas só decidiu fazer o recall depois de ser proibida pelo Ministério Público de comercializar novos carros. Depois de reportagem do Estado de Minas, três engenheiros da Toyota vieram de São Paulo e passaram um dia com Renata fazendo testes e mostrando que o problema estava relacionado com o tapete, que, no caso do carro dela, não estava conectado ao clipe, o que motivou que ele ficasse preso no pedal do acelerador. No caso de outros clientes, a solução foi substituir o tapete por um modelo original. “Acho que temos que reclamar. Aqui no Canadá (país onde a professora mora atualmente), tem recall todo dia. No Brasil, ficamos quietos e não reclamamos. Reclamei, fui bem atendida e fiquei satisfeita com a Toyota”, afirma.
Confiança
Problema semelhante enfrentou a médica Maria do Carmo Barros de Melo. Ela foi a primeira a relatar o problema de aceleração espontânea e recorda que a montadora japonesa demorou alguns meses para solucionar o problema. Enquanto seguia pela Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, ela pisou no pedal do freio, mas o equipamento não respondeu. Assim, a solução foi entrar na pista da esquerda em alta velocidade e tentar puxar o freio de mão, mas nem assim o carro parou. Somente quando colocou o câmbio na posição neutra, o carro parou, mas o motor continuou em alta rotação. “Não tive mais confiança no carro, mas me propuseram que fosse feita a troca”, recorda Maria do Carmo, que conseguiu um modelo novo depois de mais de seis meses de batalha nos órgãos de defesa do consumidor para que a Toyota convocasse o recall.