A maior fatia dos gastos com saúde do brasileiro é bancada pelas famílias, que para acertar a conta da farmácia, do médico, pagar os exames, hospitais e dentistas desembolsam 29,5% mais que o poder público. No país 56,4% das despesas com produtos e serviços de saúde são bancadas pela própria população, diferentemente do que ocorre nas grandes economias – como países da comunidade europeia, Japão e Canadá –, onde em média 72% dos recursos saem do orçamento público. Os números dos gasto de saúde brasileira constam no estudo Conta-Satélite, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e mostram que em 2009 as despesas das famílias com produtos e serviços de saúde, por indivíduo, somaram R$ 835,65. No mesmo período, o desembolso dos governos federal, estaduais e municipais com os mesmos itens ficou em R$ 645,27. Na falta de investimentos públicos, a população tem arcado com a maior parte da fatura.
O consumo de bens e serviços de saúde do país somaram R$ 283,6 bilhões em 2009, representando 8,8% do Produto Interno Bruto (PIB) ante uma participação de 8,3% registrada no ano anterior, o que demonstra que o setor ganhou peso mesmo em um período em que a economia do país não cresceu. O envelhecimento da população e a evolução da tecnologia justificam o avanço dos gastos, mas fazem crescer a pressão sobre os brasileiros. “No início dos anos 2000 a população arcava com 51% dos gastos, o percentual cresceu significativamente e é possível que tenha avançado ainda mais nos últimos anos”, comentou César Vieira, consultor técnico do Instituto Brasileiro para o Estudo e Desenvolvimento do Setor Saúde (Ibedess). Segundo o especialista, que integrou a Organização Pan-Americana da Saúde durante três décadas, o sistema brasileiro é desequilibrado e penaliza sobretudo a população de menor renda.
O gasto das famílias com serviços como consultas médicas, odontológicas e exames laboratoriais tem crescido. No entanto, o que mais pesa no orçamento do brasileiro ainda é o remédio. As despesas com medicamentos correspondem sozinhas a 1,7% do PIB do país e dentro da cesta que inclui produtos e serviços de saúde eles consomem 35% dos gastos. “Apesar de ter um sistema universal, a saúde no Brasil acirra desigualdades. Os serviços não são de acordo com as necessidades, mas de acordo com a capacidade de pagamento da população”, critica Mário Scheffer, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e estudioso do sistema de saúde brasileiro.
E o futuro?
O gerente comercial Itamar Mateus, de 54 anos, aponta que a conta da saúde na terceira idade é uma incógnita que ronda o brasileiro. Ele próprio diz se preocupar com o futuro. “O governo investe pouco e a população tem suprido essa falta.” Em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2009, o Estado respondeu por 72% das despesas com saúde, percentual que tem se mantido estável nos últimos 20 anos. As exceções ficaram com Chile, México e Estados Unidos. Por aqui, além do volume de recursos aplicados na saúde, a forma de gastar é um desafio. “A atenção à saúde está dependendo do gasto privado. Além de aumentar o percentual de recursos é preciso melhorar os gastos”, diz César Viera. Ele lembra que países como Costa Rica e Cuba investem menos que o Brasil, mas registram resultados mais satisfatórios.
Gerente do IBGE e um dos autores do estudo, Ricardo Moraes aponta que os gastos das famílias têm se mostrado maior que o do poder público desde a primeira edição da pesquisa publicada há dois anos. Apesar disso o ritmo de crescimento dos gastos do governo foi mais acelerado no período, cresceram 28% entre 2007 e 2009 enquanto o desembolso das famílias expandiu 19,5%, em igual intervalo.
O casal José de Paula, de 89 anos, e Maria Nazaré Teixeira, de 63, contabiliza que conta piora no tempo. “Depois da aposentadoria é pior, a renda diminui e os gastos com remédio aumentam”, diz Maria Nazaré. “O governo deveria investir menos em estádios de futebol e mais em saúde”, pondera seu marido.
Fábio dos Santos, avador de carros
Vida difícil
Manter a saúde em forma tem sido um desafio para a família do lavador de carros Fábio dos Santos (foto). Ele trabalha na Região Sul de Belo Horizonte e em semanas de faturamento menor ele chega a gastar 50% da renda apurada com medicamentos. Pai de dois filhos saudáveis, o pequeno David, de 22 dias, e Daniel, de 4 anos, ele tem cuidados especiais com a mulher Gleiciane Silva que não pode descuidar da receita de uso contínuo. “Nem sempre o posto de saúde tem os remédios.” Fábio dos Santos explica que ganha com frequencia alimentos da cesta básica como arroz, feijão e óleo, e por isso seus maiores gastos são com a farmácia. “A vida é difícil para quem precisa de remédios. Se não fossem as cartelas que custam de R$ 12 a R$ 30, poderia comprar de dois a três quilos de carne por semana ou fazer uma feira de frutas para os meninos”, calculou.