Altivez para quem tem 1,55m de altura é característica de se espantar. Mas é a melhor palavra para descrever Ângela Maria de Almeida entrando em uma obra. Pisa duro, acena para a rapaziada e segue em frente – na construção e na carreira. Muito antes de Lília Cabral estampar sua figura como protagonista da novela das 21h da Rede Globo, ela já saía de casa trajando macacão e capacete e ouvindo piadinhas de vizinhos e colegas de profissão – a massacrante maioria deles homens, é claro. De pedreira, passou a proprietária de empresa para recrutamento e treinamento de 250 operários da construção pesada – além das 90 operárias, como ela. Isso tudo enquanto a geração de empregos no setor crescia 139,34% no Brasil, segundo os dados mais recentes do setor, entre 2004 e 2010.
Ângela não ganhou a mesma loteria que sua colega da ficção, mas de carona no boom da construção tornou-se espécie de “Pereirão” remodelada – em vez de se dedicar a reparos domésticos como a personagem de Lília Cabral, ergue prédios e casas em Belo Horizonte e Caeté, na região metropolitana. E apoia a inserção de mais representantes do sexo feminino nesse mercado, defendendo que “mulher é mais caprichosa e entrega tudo limpinho, dá um banho nos homens”. A metáfora do apreço pelo trabalho, que, ninguém duvida, é chave para o sucesso, não poderia ser mais maternal: “Um prédio é igual um filho: você vai cuidando, dando forma, e quando vê já cresceu e ficou lindo”.
E quando vê um dos filhos de 26 andares no Seis Pistas, região nobre entre Belo Horizonte e Nova Lima, é com orgulho que aponta o dedo, unhas feitas e abre o sorrisão: “Fui eu que fiz”. A aproximação entre as mulheres e a construção se traduz nos números do setor que indicam o aumento da participação feminina nos canteiros de obras. Os números mais recentes do Sindicato da Construção Civil de Minas (Sinduscon-MG) mostram que a participação das moças que usam capacetes entre os funcionários dos empreendimentos avançou 8,59% em 2010, contra os 7,55% de 2000 na Grande BH.
No concreto, a realidade foi respeitosa em toda a trajetória de inserção dessa mulherada, segundo Ângela. Ela diz que manda em quem for, sem problema, corrige, fala que o procedimento está errado e manda consertar. “Os homens acham é engraçado ver as mulheres chegando para trabalhar. Dá uma melhorada no astral, eu acho”, palpita. Colega dela, o operário Nelson Rocha Macedo tem opinião parecida: “As mulheres hoje em dia têm mais inteligência que os homens para a construção. Tem homem dentro de casa dormindo e mulher trabalhando”.
Foi uma das operárias treinadas por Ângela, inclusive, que procurou o Estado de Minas para contar que Caeté tem seu próprio Pereirão. “Como entrar para a construção mudou a vida de muitas mulheres por aqui, achamos que ela merecia uma homenagem”, diz Maria José dos Santos, de 35 anos, que deixou de ser empregada doméstica e virou pedreira há três anos, quando leu um anúncio no jornal, avisando que Ângela procurava homens e mulheres para encarar o batente na construção civil. Maria aprendeu a fazer de chapisco a embolso (tipos de revestimento) e hoje comemora a mudança: “É um serviço mais respeitado e valorizado e nunca falta trabalho”.
Em três anos, a firma de Ângela, a AIV, cresceu 70%, recrutou pessoal para trabalhar em 12 torres em áreas nobres da capital e ergueu mais de 400 casas do programa Minha casa, minha vida. Recrutou funcionários de Barão de Cocais, Catas Altas, Pernambuco, Paraíba e São Paulo. A próxima fronteira é o Mineirão, além de outros quatro projetos previstos para se iniciar ainda este ano.
Segundo Ângela, as diferenças salariais ainda são tabu a derrubar. “Se um homem ganha entre R$ 1.060 e R$ 1.200, cada mulher tira cerca de R$ 860, fazendo o mesmo serviço”, destaca. É daí que vem, de acordo com ela, o empenho em mostrar serviço e capacidade de executar tarefas pesadas como preparar massa, fazer o chapisco, rejunte e assentar a cerâmica. No acabamento, Ângela garante, elas arrasam.