Quer fazer musculação? Tem que pagar também pelo spinning, body pump, jump, running class, abs express, RPM, power step... Os estrangeirismos na quantidade de modalidades brotam nas academias de ginástica e entram na conta muitas vezes sem que o consumidor tenha tempo de perceber – que dirá de praticar. Com o verão, aumenta o apelo por corpos sarados e saudáveis na mesma toada em que impera uma prática muito comum, porém, irregular de empresas do setor. Quando vendem seus serviços em pacotão e não oferecem preços inferiores a quem desejar contratar apenas uma modalidade, as academias fazem a chamada venda casada, prática condenada no Código de Defesa do Consumidor (CDC), além de ser tipificada como crime na Lei 8.137, de 1990.
A Alta Energia nega que exista prática de venda casada nas academias da rede. Por nota, afirmou que “conforme se pode constatar do contrato de prestação de serviços, firmado com todos os seus consumidores, estas academias oferecem a prestação de serviços de atividade física na modalidade em que o consumidor optar por realizar. Basta comparar as mensalidades das modalidades disponíveis nas academias para verificar que não existem vendas casadas de modo a lesar qualquer consumidor”. Entretanto, a reportagem solicitou à empresa o referido contrato, mas o documento não foi encaminhado até o fechamento desta edição.
O que ocorre é que muitas vezes a venda casada é disfarçada de promoção. O Estado de Minas entrou em contato com várias academias e constatou, por meio dos orçamentos feitos via telefone, que a prática é naturalizada nos discursos dos recepcionistas que lidam com o público. Na Pelé Club do Sion, também na Região Centro-Sul da capital, a atendende explicou que, a partir da avaliação física, o aluno pode “fazer as modalidades indicadas de graça”. Entretanto, o valor, mesmo que nenhuma outra atividade seja praticada além da musculação – por opção do consumidor –, é o mesmo. Por e-mail, a empresa informou que é oferecido aos alunos que se matriculam na academia o uso dos maquinários e do espaço existentes para que se exercitem, utilizando-se da sala de musculação e/ou das salas de ginástica. E ressalta que “o aluno pode optar em fazer somente as aulas de natação, sendo que, ao contratar a modalidade de natação, ganha o direito de utilizar o maquinário e o espaço existente na academia, sem nenhum ônus”.
O mesmo procedimento de venda casada ocorre na Fórmula Academia: “Não trabalhamos com plano separado. Nosso plano engloba todas as atividades da academia, menos as aquáticas”, disse a atendente ao ser questionada pela reportagem. Também por meio de nota, a empresa afirmou que adota o “conceito de academia clube e dentro deste conceito não existe venda casada. Vendemos o acesso às instalações e os serviços que aqui dispomos.”
AMEAÇA NÃO SÓ ÀS FINANÇAS A personal trainer Manuella Cardoso, que tem alunos particulares em diversas academias da cidade, chama a atenção para o fato de que a sobreoferta de atividades, além de desvantajosa economicamente, pode ser prejudicial para a educação física do aluno: “Ninguém hoje tem tempo para fazer três atividades e, se tiver, pode não ser saudável, aumenta o risco de estresse muscular e não obedece à lógica de que, normalmente, cada um tem afinidade com um tipo de aula: uns preferem aulas coletivas, enquanto outros têm pavor a elas”.
Na avaliação de Marcelo Barbosa, coordenador do Procon Assembleia, se a academia fornece, por exemplo, a modalidade musculação como integrante de um pacote, deve também fornecê-la isoladamente. O aluno pode questionar no momento da contratação e, se não chegar a acordo, deve encaminhar a solicitação aos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon e também a Delegacia do Consumidor: “Há o enfoque criminal, previsto na lei de crimes contra as relações de consumo. É preciso reunir provas, como folhetos e depoimentos pessoais com testemunhas. Mas o fornecedor não tem escapatória: ou fornece a modalidade isoladamente ou retira a atividade do seu grupo de serviços ofertados”, explica Barbosa.
Disfarce pode não compensar
Não é raro as academias optarem por fornecer pacotes com múltiplas modalidades por um preço e, isolamente, a redução do valor ser irrisória. Por exemplo um pacote completo pode sair a R$ 200 e, só a musculação isolada, R$ 190. “Podemos chamar isso de esperteza, mas não é ilegal”, diz Marcelo Barbosa, do Procon Assembleia. Na prática, em economia de livre mercado, nada se pode fazer a respeito, segundo o especialista. A menos que os concorrentes decidam mobilizar-se, com representação junto ao Ministério Público: “Foi o que fizeram as companhias aéreas contra a Gol, alegando concorrência desleal, quando a empresa vendeu passagens a R$ 1”.
O analista de sistemas Rodrigo Barbosa explica que não pratica mais de uma modalidade por falta de tempo, mas que entende que o pacote de vantagens oferecido pela academia é mais representativo do que as desvantagens, como a venda casada: “É interessante porque posso optar por fazer uma dessas aulas quando eu quiser, embora quase nunca queira”. A pedagoga Raquel Chaves, que também não tem mais de uma hora disponível para exercícios e pratica apenas uma modalidade, opina que seria mais interessante o desconto caso o aluno se interessasse por mais atividades.
DESINFORMAÇÃO Segundo a coordenadora do Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, Maria Inês Dolci, a distorção do mercado responde à desinformação dos clientes. “O consumidor tem que procurar outro local para se matricular. Ou se faz isso, ou as academias não vão perceber que seus alunos sabem que estão sendo lesados”, sugere. Ela também chama a atenção para outra venda casada escondida nesses casos: a da avaliação médica: “O consumidor pode questionar essa cobrança e fazer valer seu direito de levar para a academia a avaliação feita pelo médico de sua preferência, nos padrões exigidos pelos profissionais de educação física”.
O que diz o Código
Art. 5 – Constitui crime contra a ordem econômica
II - subordinar a venda de bem ou a utilização de serviço à aquisição de outro bem, ou ao uso de determinado serviço.
Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.
Fonte: CDC