Pouco mais de um ano depois da prisão do empresário Thales Maioline, acusado de aplicar golpe financeiro milionário em investidores mineiros, a Polícia Federal prendeu ontem o presidente da empresa Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda, Carlos Henrique Vieira, que é pré-candidato à Prefeitura de Lagoa Santa, e outras seis pessoas, incluindo dois gerentes da Caixa Econômica Federal, por suspeita de integrar grupo envolvido na aplicação do golpe da pirâmide financeira em praças da Aeronáutica. Além dos detidos, foi feito o sequestro de 20 imóveis e a apreensão de 40 veículos. A suspeita inicial é que o esquema tenha causado prejuízo de R$ 10 milhões, mas, diante do tamanho da empresa, presente em mais de 50 cidades de 23 estados, a cifra pode ser maior.
A Operação Gizé, em alusão às pirâmides do Egito, foi deflagrada pela manhã em Lagoa Santa e Belo Horizonte, quatro meses depois da reportagem do Estado de Minas denunciar o esquema com a publicação de contratos de empréstimo que pagavam juros de 2,5% a 5% ao mês mais poupança, mesmo depois de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ter divulgado alerta sobre a atuação irregular da Filadélphia. A empresa intermediava empréstimos bancários. Assim, caso uma pessoa os procurasse a fim de obter um contrato de R$ 15 mil com um banco, eles a incentivavam a fechar contrato de R$ 25 mil, sendo que R$ 10 mil eram reinvestidos na empresa, que pagava 4% de juros ao mês por esse valor. Com isso, o valor das prestações do empréstimo era reduzido.
OUTROS NEGÓCIOS A igreja e outras empresas ligadas ao grupo Filadelphia, como uma construtora e uma revendedora de automóveis, eram supostamente usadas para lavar dinheiro e sonegar impostos, além de atrair eleitores para Carlos Henrique Vieira, que, em 2008 se candidatou a vereador pelo PRTB e nesse ano pretendia disputar o pleito no município para ser prefeito. A suspeita é de que o dinheiro era usado para bancar os gastos de uma vida milionária do empresário, que, segundo a PF, morava num condomínio de Lagoa Santa e ostentava bens de alto padrão, como quadriciclos e carros importados. Em setembro, Carlos Henrique disse ao EM que seu patrimônio era superior a R$ 30 milhões.
Além do empréstimo com remuneração acima do que é praticado no mercado, segundo as investigações da Polícia Federal, a empresa atuava no mercado de seguro automotivo com o modelo de “rateio”. Ou seja, captava entre R$ 50 e R$ 100 por mês dos segurados e, em caso de um deles sofrer acidentes, todos dividiam o prejuízo.
LARANJAS Os documentos obtidos nos 18 mandados de busca e apreensão cumpridos durante a Operação Gizé devem ser analisados nos próximos dias e podem apontar outros rumos da investigação, como a participação de “laranjas” para ocultar parte dos bens do empresário. Precisou que um caminhão fosse levado a Lagoa Santa para ajudar no transporte dos papéis por causa da grande quantidade de documentos apreendidos. Entre os presos, além do presidente, estão dois vice-presidentes, a contadora e o chefe da segurança da empresa. Os dois gerentes da Caixa Econômica Federal, lotados numa agência de Lagoa Santa, foram presos por suspeita de ter liberado crédito para financiamento imobiliário para a diretoria da Filadelphia em troca de “vantagens financeiras”, segundo o delegado.
Caso condenados por todos os crimes pelos quais foram indiciados, os suspeitos podem ter pena de até 90 anos de reclusão, segundo a PF. Na lista de delitos: estelionato, formação de quadrilha, falsidade documental, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, e outros crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. Um dos sete presos, o chefe de segurança da empresa, deve ser indiciado apenas por posse ilegal de arma, uma vez que na casa dele foram encontradas cinco armas, entre as quais duas granadas, uma escopeta, uma metralhadora calibre 12 e uma arma de uso restrito das Forças Armadas. O Estado de Minas tentou resposta da advogada que se apresentou como representante de Carlos Henrique Vieira, mas ela preferiu não falar.
Saiba mais
Pirâmide financeira
Atraídos por promessas de altos rendimentos, investidores aplicam seu dinheiro em falsos fundos de investimento. O administrador, em vez de aplicar os recursos, paga aos investidores com a verba de novos adeptos. No entanto, com o crescimento do esquema, sustentar a base da pirâmide torna-se insustentável, sendo necessário atrair centenas de pessoas. A partir daí, iniciam-se os atrasos nos pagamentos de juros e os primeiros investidores começam a retirar os montantes aplicados, fazendo a pirâmide ruir e lesando centenas ou milhares de pessoas.
Enquanto isso...
...Perícia nas contas do Madoff mineiro
A Justiça autorizou que seja feita perícia nas contas bancárias de Thales Maioline para que seja apontado o caminho do dinheiro captado pelo empresário. A prova é considerada primordial para a defesa, que argumenta que Thales não teve a intenção de lesar os investidores e não se beneficiou do suposto golpe de mais de R$ 80 milhões. Assim, não seria configurado o estelionato. Depois da produção da prova, será dado prazo para as alegações finais da partes e, por último, será publicada a sentença.
Histórico de calotes
Famosos golpes de pirâmide financeira
O caso Ponzi
Considerado pai das pirâmides financeiras, nos primeiros anos do séculos passado, o italiano Charles Ponzi comprava selos postais na Europa e os revendia nos Estados Unidos, onde tinha preços mais elevados. Para expandir seus negócios, ele passou a captar recursos com imigrantes em troca de alta rentabilidade. Ele oferecia juros de 50% em 45 dias para os investidores nos Estados Unidos. Em alguns anos, ele conseguiu atrair 17 mil clientes. Mas, na década de 1920, um jornal publicou os altos lucros da empresa de Ponzi e a impossibilidade de ele conseguir pagar os rendimentos. Com isso, os investidores retiraram seu dinheiro e sua empresa decretou falência. Ao sair da prisão, ele desembarcou no Rio de Janeiro, onde morou por duas décadas num subúrbio fluminense.
Madoff
O renomado operador financeiro de Wall Street Bernard Madoff é suspeito de ter dado prejuízo de US$ 65 bilhões em investidores norte-americanos. A empresa dele atraía investidores com níveis de rentabilidade de 1% ao mês. O dinheiro captado era aplicado para pagar clientes antigos. Mas, com a crise financeira internacional de 2008, boa parte dos clientes resgataram de uma só vez os recursos e Madoff não teve como pagar os rendimentos. Em 2010, ele foi condenado a mais de 150 anos de prisão.
O caso Firv
Criador da Firv Consultoria, o investidor Thales Maioline prometia rendimentos mensais de 5% a seus clientes e mais 11% para aqueles que permanecessem por seis meses. Em poucos meses, ele assinou contrato com 2 mil pessoas em 14 cidades de Minas, entre os quais estão donos de faculdade, construtoras e pessoas comuns, que vendiam seus bens para viver dos lucros. Em julho de 2010, depois de idas e vindas nos lucros, ele sumiu e só se entregou em dezembro daquele ano, depois de ter passado pela selva boliviana e outras cidades no período de fuga. Ao todo, a suspeita é que ele tenha causado prejuízos superiores a R$ 80 milhões.
Brasil Conteiner
Sediada em Contagem, na Grande BH, a empresa Brasil Conteiner é acusada de ter causado prejuízos superiores a R$ 5 milhões. Aos investidores, era prometido rendimento mensal de 7%. Para isso, o cliente adquiria um conteiner por aproximadamente R$ 5 mil e alugava-o por R$ 350/mês. O recipiente era realugado para grandes empresas por R$ 500. Mas, em novembro de 2009, a empresa deixou de pagar os aluguéis, estourando a pirâmide.
Adimóveis
Por 15 anos, a empresa Adimóveis, situada em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, arrecadou recursos prometendo pagar juros duas vezes maiores que os estipulados pelo mercado, aplicando os valores em operações de alto risco. Em 2009, os empresários iniciaram uma sequência de calotes e decretaram falência, num rombo que pode superar R$ 70 milhões.
Aviso prévio
Em 27 de setembro de 2011, o Estado de Minas publicou reportagem denunciando que a Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda desrespeitando alerta da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) continuava captando investidores na Aeronáutica e prometendo o pagamento de juros de até 5% ao mês. Documentos obtidos pela reportagem e registrados em cartório comprovavam que o esquema se mantinha e a empresa multiplicava seu patrimônio, depois de cinco anos de sua criação, estando presente em 23 estados. À época, o presidente Carlos Henrique Vieira negou a formação da pirâmide financeira e atribuiu as acusações a adversários políticos, que não queriam enfrentá-lo na disputa da prefeitura de Lagoa Santa.