Uma semana depois de a Polícia Federal iniciar a Operação Gizé, que investiga a atuação da Filadélphia Empréstimos Consignados Ltda na formação de uma pirâmide financeira, informações preliminares dão conta de que o total do prejuízo aos servidores da Aeronáutica e outros clientes da empresa de Lagoa Santa deve se aproximar do suposto rombo de R$ 100 milhões causado pelo empresário Thales Maioline em investidores de Minas. Diante de uma tonelada de documentos a serem analisados nas próximas semanas, o coordenador da operação e titular da Delegacia de Combate a Crimes Financeiros e Verba Pública da PF, delegado Mário Veloso, antecipa que o prejuízo estipulado inicialmente – R$ 10 milhões – é pífio ante a atuação do presidente da Filadélphia, Carlos Henrique Vieira, e a capilaridade do esquema, tendo em vista que investidores de vários estados já procuraram a delegacia para saber sobre a investigação e a possibilidade de reaver o dinheiro.
A operação resultou também no alarde de investidores. Dos quatro cantos do país, pessoas que aplicaram seus recursos na empresa, visando obter juros mensais entre 2,5% e 5%, entraram em contato com a PF para ter informações da operação, o que comprova a extensão do golpe. Por enquanto, pessoas de Roraima, Distrito Federal, Ceará, São Paulo e Pernambuco procuraram a corporação, mas é possível que pessoas de outras unidades da federação tenham sido lesadas, pois a empresa estava presente em 23 estados. A tentativa dessas vítimas é reaver parte do prejuízo causado pela Filadélphia. Para isso, foi pedido bloqueio de inúmeros bens da empresa. Ao todo, 40 apartamentos e 20 veículos estão sob poder da Justiça. Mas, mesmo assim, o patrimônio pode ser insuficiente para arcar com as perdas.
Alertas
Desde 2009, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou deliberação alertando aos investidores sobre a atuação irregular da empresa. A deliberação 579, publicada em 2 de julho daquele ano, alerta para a atuação de “pessoas não autorizadas pela CVM” e afirma ter apurado a “existência de indícios de que a empresa (…) vem captando clientes para aplicação em fundo de investimento irregularmente constituído e administrado por eles (os sócios), inclusive com promessa de rentabilidade e garantia de retirada”. No enunciado publicado em seu site, a CVM considera que a administração de carteira de valores mobiliários depende de prévia autorização da entidade e, por isso, determina “a imediata suspensão da veiculação de oferta de investimento”. No entanto, como mostrado pelo Estado de Minas em reportagem publicada em setembro do ano passado, a empresa não atendeu a determinação e prosseguiu ofertando a modalidade.
Caso condenados por todos os crimes que foram indiciados, os suspeitos podem ter pena de até 90 anos de reclusão, segundo a PF. Na lista de delitos: estelionato, formação de quadrilha, falsidade documental, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, e outros crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
Bancos podem ser acionados
Os bancos envolvidos com a Filadélphia podem ser acionados para ressarcimento do prejuízo das vítimas, segundo especialistas em direito do consumidor. Por tratar-se de uma empresa que atuava como correspondente bancário, eles podem ser acusadas de ser coresponsáveis pelo prejuízo. Para isso, as ações judiciais deveriam considerar o princípio da responsabilidade solidária previsto no Código de Defesa do Consumidor.
O princípio, previsto no direito do consumidor, pode ser válido uma vez que a Filadélphia apenas atuava na aproximação entre banco e cliente. Assim, mesmo desconhecendo o golpe, o banco estava relacionado. Além disso, segundo especialista, a dívida com o banco também pode ser cancelada se o advogado se basear no princípio jurídico da culpa in eligendo, ou seja na escolha errada do contratante.
Consultado sobre o princípio da responsabilidade solidária, o presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil de Minas Gerais (OAB-MG), Bruno Burgarelli, atesta que todos aqueles presentes na cadeia de consumo entram ou tem responsabilidade sobre eventuais problemas. Para isso, seja por meio da chamada ação individual homogênea ou de uma ação civil pública, os prejudicados poderiam acionar os bancos e, se condenados, esses podem tentar reaver numa ação de regresso contra a empresa. “É uma solução mais simples de se reaver perdas em casos como esse”, afirma Burgarelli.
A maior facilidade se dá principalmente se for confirmado que os bens da empresa foram transferidos para nome de “laranjas”, o que, segundo ex-funcionários da empresa, pode ter ocorrido depois que reportagem do EM, em setembro do ano passado, denunciou a formação do esquema de pirâmide financeira. Depois da publicação, a direção da empresa teria transferido alguns bens prevendo a falência.