O Ministério Público Federal (MPF) decidiu comprar uma briga com o Banco Central. Motivo: a inscrição “Deus seja louvado” estampada em todas as cédulas de real. Segundo o procurador dos Direitos do Cidadão em São Paulo, Jefferson Aparecido Dias, é inadmissível que um Estado laico insista em imprimir o dinheiro que circula pelo país com uma frase religiosa. Como ele já notificou o BC e nada aconteceu, encaminhará, nos próximos dias, um pedido de esclarecimento sobre o tema ao ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Católico praticante, o procurador considera que religião e Estado devem ser mantidos separados, conforme reza a Constituição do Brasil, promulgada em 1988. “Nada justifica essa menção no dinheiro. Estado e religião têm que estar separados, bem distantes”, afirmou. Ele contou que já recebeu respostas do BC e da Casa da Moeda. E ambos disseram que apenas cumprem o que determina o Conselho Monetário Nacional (CMN), responsável por definir as regras de funcionamento do sistema financeiro do país.
Constituição
O BC informou ainda ao procurador que a inscrição nas cédulas segue a Constituição, que foi promulgada “sob a proteção de Deus”. Em documento enviado a Dias, a direção da autoridade monetária argumentou ainda que “a República Federativa do Brasil não é antirreligiosa ou anti-clerical, sendo-lhe vedada apenas a associação a uma específica doutrina religiosa ou a um certo e determinado credo”. Ao Correio, o BC acrescentou que a representação do procurador padece de vício de origem, pois é atribuição do CMN determinar as características gerais das cédulas e das moedas brasileiras.
A menção de Deus nas cédulas de real tem origem no Plano Cruzado, lançado em 1986 pelo então presidente José Sarney e seu ministro da Fazenda, Dilson Funaro. Desde então, não houve questionamentos sobre o assunto, sobretudo por ser o Brasil um país eminentemente católico. Nos Estados Unidos, de maioria protestante, tal polêmica se arrastou por anos, até que o Congresso de lá decidiu manter nas notas de dólar a expressão “Em Deus acreditamos” (In God we trust).
Segundo o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, o tema ainda não foi debatido na entidade. Católico praticante, ele ressaltou que, na sua opinião pessoal, não há interesse público envolvido na impressão do nome de Deus nas cédulas em circulação no país. De qualquer forma, frisou: “A religião é algo sublime e não tem sentido fazer conter o nome de Deus em notas de dinheiro. Um Estado laico recomenda que não haja essa prática, pois ela não vai aumentar ou diminuir a fé de quem é religioso”.