Depois da festa do consumo movida a crédito e inadimplência, o brasileiro abriu 2012 fugindo das dívidas, que no ano passado descontrolaram a vida financeira de uma boa parte da população. Apesar de as taxas de juros para pessoa física terem caído ao menor patamar desde 1995, em janeiro o consumidor não correu para as compras. Buscou um caminho diferente: correu dos juros. A procura por crédito no primeiro mês do ano recuou 8,2%, segundo indicador da Serasa Experian. Bem mais contida, a demanda também desacelerou 6% em relação a janeiro do ano passado, o que mostra que, pelo menos no momento, o que o brasileiro quer é quitar as contas em atraso e fugir da lista de mau pagadores.
Nos dois últimos anos o crédito cresceu a patamares recordes. Depois de avançar 16,4% em 2010, fechou o ano passado com expansão de 7,5%. Ao mesmo tempo, financiando produtos com taxas de juros estratosféricas, o brasileiro também gastou como nunca, e no final o resultado da conta foi assustador.
A inadimplência bateu no teto e no fim do ano passado o índice medido pelo Serasa alcançou 21,5%, maior alta do calote desde 2002. “A queda da demanda por crédito no primeiro mês do ano em relação a dezembro é esperada. O diferencial é a desaceleração em relação a janeiro de 2010”, explica Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. Segundo ele, o leve recuo do calote, que em janeiro caiu 0,4% na comparação com dezembro, é outro sinal de que o brasileiro está interessado em limpar o nome, mais que continuar com a gastança. Isso, apesar de a inadimplência ter apresentado alta de 16,6% em janeiro, frente a igual período de 2011. “Nos últimos meses os consumidores estão priorizando o pagamento de dívidas em atraso. O décimo terceiro já foi usado mais para esta finalidade que para o consumo. Em janeiro o movimento continuou.”
Nos próximos meses, manter as contas em dia pode novamente se tornar desafio com a retomada da oferta para o endividamento. Analistas acreditam que o crédito deve voltar a crescer. Para a Serasa Experian, 2012 deve fechar como o segundo ano consecutivo de desaceleração da modalidade, mas ainda assim o crédito deve fechar o período em alta.
Estímulo
Um dos combustíveis para esquentar a oferta é a taxa básica, que este ano pode chegar ao patamar de um dígito. “Não me surpreenderia se a taxa básica de juros na próxima reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) caísse ao patamar de 8,5%, contrariando as expectativas do mercado”, observa o professor de economia da FGV/IBS Mauro Rochlin. Segundo ele, com juros mais baixos o crédito tende a se fortalecer.
Só o tempo poderá dizer se o brasileiro aprendeu a lição experimentada nos últimos dois anos, quando a inadimplência fugiu do controle. “O crédito é muito bom, mas deve ser usado com moderação”, lembra Luiz Rabi. Para ele, foi exatamente o forte crescimento da modalidade o responsável pelo surto de inflação e inadimplência vivenciados no ano passado. “Com inadimplência mais baixa, os juros também podem cair, podendo o país ter um crédito mais saudável.” O vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), José Miguel de Oliveira, acredita que nos próximos meses o governo poderá lançar mão de outras medidas para incentivar o consumo como redução das taxas dos compulsórios e redução de impostos sobre operações financeiras.
Taxas para consumo ainda nas alturas
A redução da demanda dos brasileiros por crédito coincide com a queda dos juros para o consumo, que atingiu o menor patamar em 17 anos, quando teve início a série histórica da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac). A taxa média para pessoa física passou de 6,58% em dezembro para 6,4% em janeiro. A aposta dos analistas é de novas reduções nos próximos meses. “O Banco Central não está sinalizando para alta da taxa básica de juros (Selic) nos próximos meses e isso favorece a queda das taxas para o consumo”, aponta Miguel de Oliveira, vice-presidente da Associação.
Nos bancos, o empréstimo pessoal caiu entre janeiro e relação a dezembro, de 4,21% para 3,99%, o CDC também encolheu de 2,18% para 2,01%. Outras modalidades como o cheque especial, juros de comércio e empréstimos de financeiras também recuaram. Somente as taxas do cartão de crédito seguem firme, há dois anos sem qualquer redução. Os juros em 12 meses da modalidade de pagamento preferida pelo brasileiro atinge 238,3%, o que pode fazer o valor do débito mais que triplicar ao término de 12 meses. “As taxas caíram mas continuam altas. Por isso o consumidor deve continuar com cuidados, fazendo pesquisas entre bancos antes de contratar o crédito”, alerta Miguel.
A inadimplência do cartão de crédito e a falta de concorrência no setor são apontados pela Anefac como causas das taxas irredutíveis do cartão de crédito. “É um ciclo vicioso de juros altos e inadimplência alta.” Houve redução também de 0,08 ponto percentual na taxa média de juros da pessoa jurídica, passando de 3,87% ao mês (57,72% ao ano) em dezembro, para 3,79% ao mês (56,27% ao ano) no mês passado. A taxa de janeiro é a menor desde outubro de 2010. (MC)