Um mecanismo implantado nas maiores indústrias de cachaça do país promete estancar a goteira da sonegação fiscal do setor. O Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe), da Receita Federal, será instalado nas linhas de produção de marcas industrializadas e também em duas artesanais mineiras com alto volume de vendas (Salinas e Seleta). A suspeita é de que o rombo supere os R$ 2,5 bilhões ao ano e a expectativa é de que a ferramenta proporcione resultado semelhante ao obtido na indústria de refrigerantes e cervejas. Nesse ramo foi possível verificar que pequenos fabricantes subestimavam o total produzido para sonegar tributos.
O funcionamento é simples. É instalada uma máquina que faz a contagem do número de garrafas envasadas na indústria. Em seguida, é feita a diferenciação de qual rótulo foi envasado, sendo feita a diferenciação dos modelos de cada indústria e por último é feita a selagem digital da tampa da garrafa em substituição ao tradicional selo de papel. Atualmente, o pagamento de impostos é feito tendo como base apenas o número de selos distribuídos para cada fabricante.
Inicialmente, o Sicobe será implantado em 25 fábricas, das marcas tidas como as maiores do setor e responsáveis por aproximadamente 90% do volume produzido no país. A tentativa da Receita Federal é fechar uma brecha da indústria, que possibilita ao setor deixar de pagar o imposto corretamente, de acordo com o que é produzido, causando rombo nos cofres públicos e criando desajustes no segmento, que prejudicam a livre concorrência. O controle da indústria de bebidas frias (refrigerantes, cervejas e outros), iniciado em meados de 2009, permitiu mapear possíveis sonegadores, além de ter aumentado a arrecadação de impostos federais em 20% já no primeiro ano – mas parte desse volume é atribuído também ao crescimento do setor. “Algumas empresa apresentavam valores abaixo daquilo que realmente produzem. Se mostravam pequenas, mas são contribuintes com grande potencial”, diz o auditor fiscal da Divisão de Controles Especiais da Receita Federal, Marcelo Fisch. O sistema também permite quantificar o volume de bebida produzido durante o ano.
A medida atende reivindicação de parte do setor. Entre os grupos que solicitaram a adequação da indústria de cachaça, está a Cia. Muller de Bebidas, responsável pela Cachaça 51, que, inclusive, encaminhou pedido formal à Receita Federal. A justificativa é que o mecanismo possibilita rastrear o total que é produzido e fazer controle fiscal. A possibilidade de se sonegar cria uma concorrência desleal: quando parte do setor não paga devidamente Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) e Pis/Cofins, pode reduzir o preço do produto para o consumidor ou aumentar sua margem de lucro, prejudicando o bom pagador. “O Sicobe é muito bem-vindo. Essa situação prejudica o setor e se o próprio setor admite estar na informalidade, é preciso ter um controle”, afirma o presidente empresa, Ricardo Gonçalves.
Brechas
Apesar de todas as variáveis, representantes da indústria da cachaça atestam que o sistema é falho e deixa brechas para que fabricantes menores soneguem. Isso porque aumenta a rigidez apenas numa das pontas – a fabricação –, deixando a outra livre – a comercialização – para que a farra continue e, inclusive, cria novas possibilidades. “Nunca houve controle da Receita”, critica o diretor de Marketing do Grupo Salinas, Thiago Medrado. Ele afirma que a fiscalização deveria ser feita no varejo e dá o exemplo do que pode ser feito para burlar o pagamento de imposto. “Nada impede que a indústria fabrique numa outra unidade, sem passar pelo processo do Sicobe. É só abrir um galpão paralelo e envasar lá”, afirma Medrado.
A Receita Federal contesta e diz que nesse caso “o próprio setor se autofiscaliza”. Mas admite que o varejo ainda é um problema que deve ser considerado numa segunda etapa. Isso porque é considerado inviável instalar o sistema de controle em alambiques e fabricas de menor porte. “Lá, se combate (a sonegação) de outra forma. É no varejo direto”, afirma Fisch.