Brasília – As viagens internacionais voltaram a se acelerar expressivamente em janeiro, período de férias que coincidiu com uma baixa no dólar comparado ao fim do ano passado. No mês, as despesas de brasileiros fora do país somaram US$ 1,9 bilhões – o segundo maior da história pelos dados do Banco Central. As despesas de estrangeiros no Brasil chegaram a US$ 660,5 milhões, também o maior volume já registrado. O saldo ficou negativo em US$ 1,3 bilhão, recorde histórico para o mês. Diante da intensa importação de produtos e serviços, além das compras pesadas de brasileiros no exterior, o rombo nas contas externas cresceu e foi recorde em janeiro: atingiu US$ 7,1 bilhões. A projeção do Banco Central para 2012 é que esse buraco chegue a US$ 65 bilhões, o maior nível desde 1947, quando a instituição começou a computar o dado.
Os números divulgados ontem pela autoridade monetária evidenciam ainda que o país deve receber um volume menor de investimentos voltados para o setor produtivo quando comparado a 2011, algo em torno de US$ 50 bilhões. Com esse montante reduzido, para que o déficit nessa conta não gere problemas para a economia, o Brasil vai ter de contar com US$ 15 bilhões oriundos do mercado financeiro internacional, um capital sensível a qualquer sinal de problema no mundo.
Em janeiro, o rombo nas contas externas, segundo o BC, se explica por um déficit de US$ 1,2 bilhão na balança comercial, resultado de importações maiores que as exportações. No mês, os empresários brasileiros tiveram ainda a necessidade de alugar máquinas e equipamentos de fora, o que gerou um gasto de US$ 1,6 bilhão, um montante que incrementou ainda mais a conta. Somado a esses fatores, as viagens internacionais consumiram mais de US$ 1 bilhão e a remessa de empresas estrangeiras sediadas no Brasil para suas matrizes mais US$ 1 bilhão. “Isso tudo é reflexo de um Brasil que cresce. Representa uma maior demanda dos brasileiros, seja por consumo ou por produtos e investimentos para o setor produtivo”, avaliou Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do BC.
Dados preliminares de fevereiro mostram, entretanto, uma desaceleração nos gastos de viagens internacionais dos brasileiros para algo em torno de US$ 1 bilhão — o que, na visão BC, se explica pelo menor número de dias úteis no mês. Para Fábio Gallo Garcia, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a cotação do dólar é um dos principais motivadores de viagens, entretanto o maior desses impulsos para os gastos está no chamado custo Brasil. Ele explica que devido a elevada tributação brasileira, falhas de infraestrutura, burocracia e outros problemas, o custo dos produtos no Brasil, mesmo após a conversão do dólar, é muito superior aos vendidos fora do país, sobretudo no Estados Unidos. “A tendência desses gastos no exterior é crescer e por enquanto não há o menor sinal de mudança”, disse.
Investimentos compensam
As contas externas representam todas as transações de bens e serviços entre o Brasil e o exterior e podem indicar o grau de vulnerabilidade da economia frente à turbulências internacionais. O problema, segundo especialistas, é essa cifra ficar negativa e o país não conseguir uma compensação por outras vias, como ingresso de investimentos para o setor produtivo ou para o mercado financeiro. Pelos dados do Banco Central, em janeiro deste ano esse buraco foi coberto com folga. Enquanto o déficit foi de US$ 7,1 bilhões no mês, o país conseguiu captar US$ 7,3 bilhões em investimentos estrangeiros diretos e em dinheiro que veio para o mercado financeiro, além de ingresso de capital por outros segmentos.
“O déficit está aumentando e a conta financeira recuando um pouco. Porém, ainda é uma conta que fecha com superávit”, observou Flávio Serrano. “Temos uma agenda de investimento forte para os próximos anos, o que deve permitir a expansão desse déficit sem muitos problemas para o país”, ponderou. Para Octávio de Barros, economista-chefe do Bradesco, o desempenho do investimento estrangeiro destinado à produção desacelerou comparado ao fim de 2011, mas ficou “ligeiramente acima do esperado” para o período. “Dessa forma, confirmamos nossa expectativa de que, depois da entrada de investimentos estrangeiros direitos recorde em 2011, atingindo o pico histórico, continuaríamos observando entradas fortes ao longo de 2012. Com isso, o déficit em conta corrente continuará sendo financiado”, frisou o economista.
Enquanto o Investimento Estrangeiro Direto (IED) desacelera, o voltado para a bolsa de valores cresce expressivamente neste início de 2012 — de acordo com analistas, influenciado por captações de empresas brasileiras no exterior. Apenas em janeiro, as ações compradas por estrangeiros somam US$ 4,2 bilhões, quase seis vezes mais que em igual período do ano passado. “A situação está ruim lá fora e melhor aqui dentro. Os níveis de risco, nos últimos meses, também melhoraram bastante e isso favorece o ingresso de recursos na bolsa. Por isso, nunca acreditamos que o dólar ficaria em R$ 1,90”, argumentou Serrano.
Governo segura o real
Brasília – O governo decidiu ampliar a artilharia para tentar conter a queda do dólar. Ontem pela manhã, quando as cotações caíram para a casa de R$ 1,69, o Banco Central fez duas compras: uma no mercado futuro e outra no mercado à vista. Na sequência, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi a público para avisar que o Brasil “não permitirá a apreciação excessiva do real”. A ação deu resultado e a moeda americana fechou o dia 0,29% mais cara, a R$ 1,711.
A entrada de dólares continuou a todo vapor e a moeda acabou negociada, ainda que por pouco tempo, abaixo de R$ 1,70 pela primeira vez desde outubro de 2011. Diante do preço, o BC iniciou a reação do governo: avisou que compraria ainda pela manhã até US$ 2 bilhões no mercado futuro em contratos conhecidos como “swap cambial reverso”. A operação, que equivale à compra de dólares no futuro, não era realizada desde 30 de agosto de 2011. Na intervenção, foram adquiridos US$ 174,7 milhões.
À tarde – já com as cotações em ligeira alta –, a instituição voltou aos negócios para adquirir mais dólares, dessa vez no mercado à vista. Com essas atuações, o BC acumula intervenções em três frentes nas últimas semanas: no mercado à vista, negócios a termo e também com o swap cambial reverso.
Em São Paulo, Mantega reagiu e afirmou que o Brasil tem “um grande arsenal de instrumentos” que poderão ser usados para “evitar uma apreciação excessiva” do real. Sem informar qual seria a faixa ideal para as cotações, o ministro previu que a chamada “guerra cambial” vai se intensificar durante o ano conforme a economia mundial perder fôlego. “Guerra cambial” é a expressão usada por Mantega para identificar a estratégia de alguns países que têm desvalorizado propositadamente as moedas para aumentar a competitividade das exportações.
Essa enxurrada de dólares ao Brasil tem várias fontes, mas principalmente investimentos produtivos de multinacionais, aplicações financeiras de estrangeiros e empréstimos obtidos por empresas brasileiras no exterior. Ontem, por exemplo, o Bradesco captou US$ 1 bilhão em emissão de títulos de dívida, com uma demanda até sete vezes maior, segundo analistas. Dados também divulgados pelo BC mostram que em fevereiro, até sexta-feira passada, a entrada de dólares no país superou a saída em US$ 6,52 bilhões.