Enquanto o astronauta Andre Kuipers, em videoconferência direto da estação espacial internacional, ou o presidente do Google, Eric Schmidt, estavam por perto, no palco hi-tech da maior feira de tecnologia do planeta, tudo eram sorrisos entre a chanceler alemã, Angela Merkel, e a presidente Dilma Rousseff. Mas o clima ameno, restrito a uma ou outra alfinetada, da abertura da Feira Internacional das Tecnologias da Informação e das Comunicações (Cebit), em Hannover, na Alemanha, pode não ter durado o tempo todo, diante de posições divergentes de Brasil e Alemanha na crise econômica. Pelo menos foi essa a promessa da presidente brasileira, que foi representar o país-parceiro desta edição da gigantesca feira, e que prometeu criticar duramente a política monetária dos países desenvolvidos. Em coletiva ontem, garantiu que tocaria no assunto com a estadista alemã.
No discurso de abertura, Merkel rebateu e criticou “medidas protecionistas unilaterais” como estratégia para sair da crise internacional. “A presidente Dilma citou ‘tsunami de liquidez’, manifestou sua preocupação. Temos de olhar para medidas protecionistas unilaterais. Acredito que a confiança é o caminho que devemos trilhar para sair da crise. Nós, europeus, ficamos conscientes do fato de que temos que olhar além das nossas fronteiras”, declarou Merkel. Para ela, “a crise é bem delicada”.
O estopim da conversa foram os números do Banco de Compensações Internacionais (BIS) que indicaram o despejo de US$ 8,8 trilhões em liquidez na economia mundial desde o início da crise. Segundo Dilma, que usou o termo “tsunami monetário” na semana passada, as medidas causam “desvalorização artificial” das moedas, “equivalem a barreiras tarifárias” e geram bolhas e especulação. Dilma se mostrou contrariada com os números do BIS e disse que não só o Brasil, mas todos os países emergentes, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o próprio BIS estão preocupados com a enxurrada de dinheiro no sistema financeiro.
“O efeito é internacional, não nacional. Como o mundo é globalizado, quando você tem um nível de expansão desses, se produz dois efeitos: um é a desvalorização artificial da moeda. O outro problema sério é que cria uma massa monetária que não vai para a economia real. O que se produz? Bolha. Bolha, especulação”, reclamou a presidente. A “desvalorização artificial” da moeda, de acordo com Dilma, não tem como efeito ganhos de competitividade das economias domésticas. “O que se está fazendo equivale a uma barreira tarifária. Todo mundo se queixa de barreira tarifária, de protecionismo.”
Questionada por repórteres se ao reclamar para a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, o governo brasileiro não estava pedindo a intervenção na autonomia do BCE, Dilma respondeu: “Não, sabe por quê? Porque estão interferindo na nossa.” Dilma reiterou que a intenção do Brasil é mostrar que está em andamento uma forma concorrencial de proteção de mercado, que é o câmbio: “Não é tarifa; é o câmbio, que virou uma forma artificial de proteção”.
Guerra cambial A presidente ressaltou que o governo vai tomar medidas e citou o recente aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) como parte da estratégia para se defender na guerra cambial. “Somos uma economia soberana. Tomaremos as medidas para nos proteger.”
Na avaliação de Celina Ramalho, professora do Departamento de Planejamento e Análise Econômica da Fundação Getulio Vargas, as ponderações da presidente fazem sentido, na medida em que “a criação de moeda, nesse caso, serve apenas para remunerar títulos. Não gera valor da economia. É um remédio muito paleativo, que pode levar à inflação e bolha”.
BARRA DE FERRO
A presidente Dilma Rousseff reagiu com uma expressão de dor depois que uma barra caiu e a atingiu no pé durante entrevista a jornalistas brasileiros. Ela falava sobre protecionismo dos países ricos, quando se afastou dos repórteres e manifestou dor: “Ai, ai”. Em seguida, retornou e disse: "Passou. Vou mancar até amanhã". A presidente não necessitou de atendimento médico.