No lugar de consumo, produção. As quase 100 milhões de pessoas que integram a nova classe média brasileira têm uma força que vai além do bilionário mercado de varejo que movimentam. Seu principal brilho está na capacidade de produção. Mais do que TVs, carros e casa própria, pessoas desse segmento social estão de posse de ativos como carteiras de trabalho, educação, qualificação profissional, previdência pública e acesso à tecnologia. De 2004 para cá, houve um salto de 83% no número de pessoas com educação profissional e com carteira de trabalho no país, informa Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais (CPS) da Fundação Getulio Vargas (FGV) e autor do livro A nova classe média, lançado quarta-feira. Em 2004, segundo ele, cerca de 600 mil pessoas conseguiram carteira assinada no país. “No fim do ano passado, esse número era superior a 1,5 milhão”, lembra Neri.
Isso significa, segundo ele, que o lado produtivo dessa camada da população está crescendo de forma mais sustentável e mais veloz do que o do consumo. “Entre 2003 e 2009, a parcela da nova classe média que representa o produtor cresceu 38% mais rápido do que o lado consumidor”, sustenta o especialista. Movida pelo binômio educação e trabalho, a inserção do batalhão de trabalhadores que formam a classe C no Brasil está longe de ser uma novidade que sairá de moda em pouco tempo. Essa versão produtora se apoia na economia do trabalho, mas também no empreendedorismo, ainda que em grau muito menor.
E um dos testes de sustentabilidade desse avanço pode ser medido pelo desempenho do mercado de trabalho durante as crises de 2008 e a atual turbulência financeira na Europa, diz Neri. “Durante a crise de 2008, a renda no trabalho ficou estagnada. Na crise asiática, em 1997, houve queda de 4,57%. Agora, na crise da Grécia, registramos crescimento de 2,7% na renda do brasileiro”, destaca Neri.
Crescimento Diante da oferta de trabalho e da possibilidade de subir na vida, a nova classe média brasileira está trocando o pneu com o carro andando. É o que mostra Aldeir Geraldo Canela, gerente de manutenção da Forno de Minas. Desde que ingressou na empresa, há seis anos, o salário dele triplicou, saltando de R$ 2.300 para R$ 6.500. A melhora no rendimento não foi gratuita. “Em 2008, senti necessidade de melhorar e vi que meu único recurso era voltar a estudar”, lembra.
Com recursos próprios, Aldeir, que é casado, pai de dois filhos, pagava R$ 600 num curso de engenharia de gestão de produção industrial na Pontifícia Universidade Católica (PUC) “Eu me virava. Pagava num mês e no outro não. Nas férias, pegava o dinheiro e quitava a faculdade”, relembra Canela. Em 2009, veio a promoção para supervisor de manutenção. O salário voou para R$ 4.300. No fim do mesmo ano, outra promoção, desta vez para gerente de manutenção, agora com rendimento de R$ 6.500.
Mas nem assim Aldeir parou de pensar na carreira. Agora, prepara-se para fazer uma pós-graduação em engenharia de manutenção. “A única coisa em que o país deveria investir é em educação. O futuro do Brasil é promissor, é um caminho sem volta. Vêm aí a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O país vai crescer muito na próxima década. Tenho 43 anos e vou me especializar para aproveitar essa onda de crescimento e para ajudar minha família a crescer”, afirma Aldeir.
Segundo Marcelo Neri, essa camada da população constrói seu futuro em bases sólidas, que sustentam o novo padrão adquirido. “Isso é o que chamamos de lado brilhante dos pobres. A ascensão é muito mais sustentável do que eu mesmo imaginava”.