Depois de dezenas de queixas registradas, a Polícia Federal decidiu investigar as irregularidades na aplicação das provas do cobiçadíssimo concurso público para o Senado, que oferece 246 vagas com salários que vão de R$ 13,8 mil a R$ 28,3 mil. No domingo, após uma troca de provas em quatro salas da Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (Facitec), em Taguatinga, a Fundação Getulio Vargas (FGV) anulou as avaliações para três cargos: de analista legislativo, nas áreas de análise de sistemas e análise de suporte de sistemas, que oferecem sete e três vagas respectivamente, e de técnico legislativo, na área de enfermagem, com cinco oportunidades.
Agora, 10.056 pessoas terão de refazer as provas de uma seleção que já começou marcada por polêmicas. Além de a FGV ter sido contratada sem licitação para organizar o processo seletivo, a Comissão do Concurso Público do Senado Federal expulsou, no mês passado, uma das suas integrantes, a servidora Lúcia Maria Medeiros de Souza, após verificar que ela estava inscrita para concorrer a uma das vagas de consultor legislativo.
Os problemas na aplicação das provas vão além da troca de cadernos. Ontem à tarde, três candidatos foram à Polícia Federal denunciar a falta de controle do uso de equipamentos eletrônicos. Ao longo do dia, foram divulgadas na internet fotos supostamente tiradas dentro das salas de aula durante a aplicação dos exames. “Não houve segurança. Apenas nos entregaram um saco para colocarmos os celulares. Se tivesse alguém com ponto eletrônico no ouvido, ninguém reclamaria”, disse Felipe de Castilhos, 32 anos, candidato ao cargo de policial legislativo. Candidatos também reclamaram de erros de digitação e de português na elaboração das questões.
Responsabilidade
Em meio a tantas denúncias, o Senado lavou as mãos. Procurado, o órgão informou ontem que os problemas ocorridos são de responsabilidade exclusiva da FGV. Ressaltou ainda que o apoio da PF à realização do concurso já havia sido pedido pela própria casa legislativa, como forma de garantir a segurança e evitar tentativas de fraude. Em nota, o presidente da comissão do concurso, Davi Anjos Paiva, servidor do Senado, disse que encaminhou documento à FGV pedindo celeridade nas providências destinadas à reaplicação das provas para analista e enfermeiro. “Esclarecemos a todos os candidatos das áreas que não foram afetadas que o calendário do concurso público está integralmente mantido”, disse. A FGV não se pronunciou sobre a nota do Senado.
A troca das provas foi descoberta quando candidatos para a área de análise de suporte de sistemas receberam caderno de provas referente ao da área de análise de sistemas. Constatada a falha, verificou-se que não havia material em número suficiente para área que eles escolheram. O mesmo aconteceu com candidatos às vagas de enfermagem.
Com exceção das cerca de 300 pessoas das quatro salas da Facitec que tiveram os cadernos errados recolhidos e foram mandadas embora, os demais candidatos aos cargos cujas avaliações foram anuladas continuaram respondendo as questões até o fim sem saber que o teste havia sido invalidado. O analista de sistemas Elvis Teodoro só soube da anulação após concluir a prova. “Isso é um absurdo. Eu me dediquei três meses ao concurso, conciliando trabalho e estudo. Estou decepcionado. É humilhante”, desabafou. O servidor público Guilherme Ferraz, 31 anos, também se sentiu prejudicado. “Faço concursos há anos e não é a primeira vez que vejo uma prova ser anulada. Já percebi que o justo nem sempre é feito. Se disseram que vão anular, não adianta esbravejar”, lamentou.
Envelope violado
A confusão que obrigará 10.056 candidatos a refazer as provas para três cargos do Senado parece ter sido somente a primeira de muitas falhas do processo seletivo destinado a preencher 246 vagas de técnico, analista e consultor. Concorrentes ao posto de analista legislativo na especialidade de administração que fizeram os exames em uma sala da Faculdade de Ciências Sociais e Tecnológicas (Facitec) afirmaram que, ao entrar na sala, perceberam que o malote de provas estava violado. Se comprovada, a irregularidade pode levar à anulação do teste de 11.675 pessoas. É a mesma instituição de ensino onde houve a troca dos cadernos de avaliação dos inscritos para os cargos de analista na área de informática e enfermeiro, em Taguatinga
De acordo com as queixas, uma abertura de aproximadamente 10cm na lateral do envelope teria sido feita com material cortante. “Da forma como foi feito, o corte não parecia ser em decorrência do manuseio do malote. Foi feito com a ajuda de alguma ferramenta, como um estilete”, afirmou Ian Lopes, 24 anos, um dos candidatos.
Hugo Mesquita, 24 anos, relatou que a Polícia Federal chegou a levar o malote de provas violado e duas pessoas para prestar depoimento. “Depois de aproximadamente uma hora, nos deram provas e cartões reservas. Precisamos preencher todos os dados manualmente. Durante toda a prova, foi gente indo e vindo da sala, falando, dando informação, além de agentes da PF batendo fotos”, disse. Mesquita observou ainda que os candidatos tiveram uma hora a mais para concluir as avaliações. Por telefone, a Fundação Getulio Vargas (FGV), organizadora do concurso, garantiu que não houve qualquer violação do saco plástico. “A própria PF foi chamada e garantiu que não houve vazamento de informações”, afirmou. (CB)
Errata logo no início
Candidatos ao cargo de técnico legislativo na área de apoio técnico ao processo industrial gráfico que fizeram provas em uma sala das Faculdades Planalto (Iesplan), na Asa Sul, denunciaram que os fiscais entregaram uma errata antes de a sirene tocar. Dessa forma, muitos concorrentes teriam aberto os cadernos para conferir a correção antes dos que estavam em outras salas, o que feriria o princípio da isonomia. Eles reclamaram ainda que, logo após o início das provas, o celular de um dos fiscais tocou dentro de sala de aula. “Percebi um certo amadorismo na realização das provas. É uma falta de respeito. Investimos muito tempo e dinheiro para estudar e fazer o concurso”, disse a designer gráfica Virgínia Soares, 28 anos. A Fundação Getulio Vargas (FGV) se limitou a dizer que a denúncia não procede.