Empresários calejados em reuniões como a promovida pela presidente Dilma Rousseff na quinta-feira, no Palácio do Planalto, sabem que a simbologia das cúpulas empresariais importa mais para o governo que o seu resultado prático. Vez ou outra é preciso alinhar o discurso.
Mas, ainda que esses encontros possam ser pouco produtivos, as entrelinhas das declarações das autoridades podem revelar mais do que anúncios oficiais. O ministro Guido Mantega, por exemplo, foi muito franco ao dizer que “o investimento público representa, no máximo, 3 pontos percentuais dos 20% que constituem o investimento total sobre o PIB”. Mantega não disse nada que não se soubesse.
O inusitado foi ter reconhecido que “a maior responsabilidade é do setor privado” para que os investimentos aumentem no país. A meta é que cheguem a 24% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2014, segundo o ministro. Foi mais ambicioso que o Plano Plurianual (PPA) para 2012-2015, aprovado ano passado no Congresso, que prevê a formação bruta de capital fixo (FBCF), ou taxa de investimento, chegando a 23,2% do PIB apenas no fim do período, partindo de 19,3% em 2011.
Essa meta tem níveis de compreensão que transcendem a projeção. O ritmo de crescimento do PIB, por exemplo, foi calibrado no PPA para chegar a 5,5% em 2015, sendo que, segundo esse plano, a “aceleração será liderada pela trajetória” do investimento. O PPA foi concebido pelo atual governo. Essa diretriz não existiu nos dois governos do presidente Lula. Em seu tempo, o crescimento veio do consumo e foi movido, basicamente, a gasto fiscal, aumentos salariais e crédito.
A troca de ênfase, da demanda sempre priorizada pela prioridade do investimento, não é simples. É o que o governo chinês anunciou, mas na mão oposta, já que lá o crescimento nas últimas três décadas vem do investimento, numa relação de quase 50% do PIB contra pouco mais de 35% do consumo. Parte das tensões nos mercados globais se deve a essa transição, que poderá esvaziar a grande valorização dos preços das commodities. O Brasil será atingido, se houver esse tsunami.
Gênese do dólar fraco
Mudanças de orientação macroeconômica têm implicações sociais. Se a favor do investimento, significam que, em regra, outros gastos, como as transferências de renda bancadas pelo orçamento fiscal, vão crescer menos que o PIB. Isso será possível? Ou não será cumprido? Embora a diretriz da prioridade do investimento esteja no PPA que os partidos da base de apoio ao governo no Congresso aprovaram, não se vê os parlamentares entregando seus interesses patrimonialistas em nome do crescimento da riqueza nacional – condição para livrar o país do para-anda da economia em situação de quase pleno emprego.É o que se tem agora com o drama da indústria de transformação. O dólar foi desvalorizado no governo Lula para induzir as importações que atendessem o aumento da demanda sem provocar inflação.
O contexto de Mantega
Julgou-se que a oferta instalada não seria suficiente, e adequá-la ao novo patamar de consumo, devido à ascensão da base da pirâmide de renda, levaria tempo para maturar. A arte é conseguir equilibrar tais movimentos – um tanto de consumo, outro de investimento, que também alavanca a demanda. Na vida real, a indústria foi preterida.É este o contexto em que se insere o reconhecimento de Mantega de que o setor privado é que deve puxar o investimento – razão formal da reunião de Dilma com a cúpula do empresariado. Não se concebe, dada a importância dessa diretriz, que ele tenha falado sem pensar. Declarou na reunião comandada por Dilma e repetiu à imprensa.
Desdobramentos no PT
Os desdobramentos surgem na comparação com Lula. Depois da crise de 2008, ele passou a exaltar as virtudes da intervenção do Estado na economia. Aliás, como Dilma. Ele falava do poder regulatório do Estado. Mas na campanha de 2010 o PT deu nova dimensão a tal juízo, desmerecendo as privatizações como já fizera em 2006. Daqui para frente será constrangedor ao PT tentar articular esse discurso.
O exemplo das concessões dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília deverá tornar-se frequente. Até com fórmulas criativas. A contratação de sondas da Petrobras, por exemplo, é investimento de uma empresa de participações, Sete Brasil, de controle privado.
Mas para elevar o investimento para além de 20% do PIB não basta criatividade. O governo vai ter de dirigir o consumo à moda antiga, ou o déficit em conta corrente, relativamente estabilizado em torno de 2% do PIB desde 2008, ficará musculoso. Mantega não falou dessa restrição nem nas entrelinhas. Quem sabe na próxima cúpula.