Washington e Brasília — Em clima de grande expectativa, o primeiro dia do encontro entre a presidente Dilma Rousseff e seu colega norte-americano, Barack Obama, na Casa Branca, será dedicado a temas delicados e espinhosos, como o cancelamento da compra de aviões da Embraer e o veto à participação de Cuba na 6ª Cúpula das Américas, na Colômbia. A agenda prática não deve resultar em acordos relevantes entre Brasil e Estados Unidos. Dos sete memorandos de entendimento e cooperação que serão assinados, o único comercial será o que reconhece a cachaça como produto genuínamente brasileiro e não mais como um rum latino-americano. Em contrapartida, o bourbon (uísque de milho) entrará no território brasileiro como uma bebida típica dos EUA.
Acompanhada por uma comitiva de sete ministros para uma visita de dois dias aos EUA, Dilma aterrissou na base aérea de Washington às 17h40 de ontem reclamando de fadiga. “A viagem foi boa, mas cansativa”, disse. A líder brasileira evitou, porém, fazer previsões para as conversas com o anfitrião norte-americano. Afirmou apenas que considerava “ótima” a expectativa do encontro com Obama. Logo depois de chegar aos Estados Unidos, a presidente reuniu-se com um grupo de 17 empresários brasileiros que mantêm negócios na América do Norte.
Embora a agenda da viagem inclua a assinatura de um acordo na área da aviação, o cancelamento da compra de 20 aeronaves Super Tucanos, da Embraer, pela Força Aérea norte-americana pode causar mal-estar entre os dois países. Para o professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, episódios como esse mostram que ainda há obstáculos comerciais a serem transpostos. “Foi um baque. Eu diria que as relações entre os dois países ainda são mais ou menos”, define. Outro ponto de constrangimento é fato de que os Estados Unidos ainda não descartaram, por completo, a política de afrouxamento monetário que injetou bilhões dólares na economia norte-americana com o intuito de reanimar a atividade no país. É nessa tecla que Dilma tem batido em todas as oportunidades, como fez, recentemente, quando criticou o “tsunami monetário” que vem desvalorizando o real.
A despeito das divergências entre Brasil e EUA, temas que envolvem o ambiente de negócios nos dois países tendem a render resultados mais produtivos. Dilma encerrará, ainda hoje, um seminário organizado pelas câmaras de comércio brasileira e norte-americana que vai tratar de parcerias para o século 21. “A presidente sempre teve uma atitude a favor dos negócios, desde que era ministra da Casa Civil. Ela está bastante qualificada a melhorar as relações entre os dois países, num momento em que o Brasil precisa de investimentos”, define Gabriel Rico, dirigente da Câmara Americana de Comércio (Amcham).
O intercâmbio de tecnologia também deve render frutos. O ministro da Educação, Aloizio Mercandante, assinará 14 acordos com universidades norte-americanas dentro do programa Ciência Sem Fronteiras, lançado por Dilma no ano passado e que distribuirá 101 mil bolsas de estudo de graduação e pós-graduação no exterior até 2014. Desse total, 20 mil se destinarão aos EUA. Amanhã, Dilma irá a Boston, onde se encontrará com estudantes brasileiros, e visitará o Massachusetts Tecnology Institute (MIT) e Universidade de Harvard, em Cambridge.
A favor do Brasil, um trunfo que a presidente poderá usar para mostrar a importância do país para e economia americana é o avanço dos investimentos das multinacionais brasileiras no exterior. Dados do Banco Central mostram que esse processo se tornou irreversível. E é nos Estados Unidos, país mergulhado num forte processo de desaceleração da economia desde 2008, que o capital verde-amarelo mais está fincando raízes.
Em janeiro e fevereiro, US$ 1 bilhão deixou o Brasil em direção ao setor produtivo. Desse total, US$ 252 milhões, ou 25%, foram destinados à terra do Tio Sam. Dos US$ 15 bilhões enviados do país para o mercado internacional no ano passado, US$ 2,6 bilhões foram aplicados em negócios nos EUA. Especialistas reforçam: o processo de internacionalização das grandes empresas brasileiras está se dando em setores estratégicos, especialmente em terras norte-americanas, que têm a seu favor o maior mercado consumidor do mundo e uma legislação trabalhista mais flexível que a da Europa. Para alguns segmentos da indústria brasileira, estar nos EUA também é uma forma de driblar as pesadas restrições comerciais impostas por aquele país, fruto de pesados lobbies.
Restrições não se justificam
Para o professor de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) David Fleischer, episódios como o cancelamento, pela força aérea norte-americana, do contrato com a Embraer para a fabricação de 20 aviões do modelo Super Tucano, mostram que ainda há obstáculos comerciais a serem transpostos. "Foi um baque. Eu diria que as relações entre os dois países ainda são ‘mais ou menos’", define.
Presidente da Câmara Americana de Comércio (Amcham), Gabriel Rico diz que a programação que a presidente fará em Boston, que inclui visitas a Harvard e ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), é importante para mostrar que o Brasil tem melhorado seu ambiente de negócios. "Com o programa Ciência sem Fronteiras, o Brasil está investindo na qualificação da mão de obra", ressalta.
Cresce apetite das nacionais
A seu favor, Dilma tem um invejável histórico recente de investimentos pelas companhias e instituições financeiras brasileiras. O diretor de Negócios Internacionais do Banco do Brasil, Admilson Monteiro Garcia, diz que a compra do Eurobank, na Flórida, foi apenas a primeira de uma série de aquisições pretendidas pelo BB no país. "Pretendemos fazer multiaquisições. Só não fizemos ainda porque as autoridades reguladoras nos Estados Unidos exigem que, primeiro, o Eurobank seja saneado para depois podermos comprar outros bancos ou agências. Mas o nosso apetite é muito maior", assegura. Atualmente, o BB tem 3 agências nos EUA, mas o objetivo é chegar a 15 em 5 anos. Em Nova York, a carteira de ativos é de US$ 15 bilhões; e m Miami, de US$ 2 bilhões.
Outra grande investidora no país, a petroquímica Braskem, depois da aquisição dos ativos de polipropileno da Dow Chemical da Sunoco, tem hoje uma capacidade de produção de cerca de 2 milhões de toneladas da resina no exterior, sendo cerca de 1,5 milhão nos EUA. "Apenas o investimento para manutenção das unidades industriais no território norte-americano está previsto em cerca de US$ 40 milhões por ano", afirma o vice-presidente para Estados Unidos e Europa da Braskem, Fernando Musa.
O investimento total previsto pela companhia no exterior, este ano, é de US$ 1,7 bilhão. As operações internacionais representaram cerca de 10% da receita líquida consolidada da companhia em 2011, percentual que pode subir em 2012 por conta da aquisição da operação de polipropileno da Dow.
O grupo siderúrgico Gerdau, que tem uma ampla presença industrial na América do Norte — 20 usinas, 12 plantas de transformação, 48 unidades de corte e dobra de aço e 22 unidades de coleta e processamento de sucata —, planeja investir R$ 10,3 bilhões no exterior nos próximos cinco anos. Para os Estados Unidos, estão previstos aportes com o objetivo de aumentar a capacidade instalada anual da usina Midlothian (Texas), principal unidade do grupo na região, atingindo 1,8 milhão de toneladas de aço por ano. Na mesma fábrica será ampliada a capacidade produtiva de vergalhões (ferros para construção), a 550 mil toneladas anuais. Os dois projetos estarão prontos para entrar em operação no ano de 2014. Ainda no fim de 2012, será inaugurado um novo forno de reaquecimento na usina Calvert City (Kentucky).
O frigorífico JBS não tem do que se queixar do mercado norte-americano. Em 2011, a operação dos EUA representou aproximadamente 75% da receita global da companhia. Quando comprou a Swift, a empresa norte-americana vinha operando com prejuízo operacional. Apenas no quarto trimestre do ano passado ela rendeu uma receita de US$ 4,5 bilhões na operação de bovinos e de US$ 923 milhões em suínos.
O mesmo ocorreu com outra aquisição, a Pilgrim’s Pride. A empresa estava em recuperação judicial antes da entrada da JBS e encerrou o quarto trimestre do ano passado com faturamento de US$ 1,8 bilhão. Em todo o mundo, a JBS deve investir, em 2012, entre R$ 900 milhões e R$ 1 bilhão para manter sua capacidade produtiva.