Com a pressão crescente do governo federal, os bancos privados já admitem a possibilidade de reduzir os custos dos empréstimos. Mas, para isso, eles exigem uma contrapartida pesada da equipe econômica da presidente Dilma Rousseff. Nessa terça-feira, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) apresentou ao secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, uma lista de pelo menos 20 exigências para que o governo diminua o custo do spread bancário – diferença entre o que as instituições pagam aos investidores e cobram dos devedores – e, consequentemente, os juros para cidadãos e empresas.
Murilo Portugal, presidente da Febraban, explicou que a margem de lucro dos bancos é de apenas 30% do spread bancário. O restante é consumido com custos, principalmente de inadimplência, que representa 29% do total. “A tributação e os compulsórios equivalem a 26%. E os custos administrativos correspondem a cerca de 13%”, afirmou. “Há interesse dos bancos em reduzir os spreads. Mas 70% deles são de custos. Existe uma confusão e acham que eles são lucro”, observou.
Uma das propostas mais polêmicas apresentadas pela Febraban é a de que os clientes apresentem as reservas que possuem em planos de previdência privada como garantia para os empréstimos. As instituições financeiras também querem usar os imóveis dos devedores como proteção contra eventuais calotes.
Além disso, para os banqueiros, é preciso reduzir as tributações sobre os bancos – os principais alvos são a Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado nas operações de crédito – e os níveis dos depósitos compulsórios, parte das captações que devem ser mantidas no Banco Central.
Portugal afirmou ainda que as instituições querem a regulamentação do Cadastro Positivo, uma lista que vai reunir os consumidores que têm um bom histórico de pagamento. A finalidade é reduzir os juros para essas pessoas. De acordo com o presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Roque Pellizzaro Junior, que participou das reuniões no Ministério do Planejamento, a regulamentação está “90% encaminhada” e deve sair em até 40 dias.
Outra proposta em estudo é a concessão de incentivo fiscal para estimular programas de renegociação de dívidas. Os bancos querem ampliar a todos os clientes um benefício hoje restrito às pessoas físicas e para dívidas agrícolas, no limite de R$ 30 mil. Nesses casos, a Receita Federal permite a diluição do pagamento de impostos que incidiriam no ato da renegociação dos débitos atrasados. Com a alteração, não haveria uma redução dos tributos, apenas um parcelamento de seu recolhimento.
A pressão do governo sobre os bancos privados aumentou depois de o Banco do Brasil e a Caixa diminuírem os juros das linhas de financiamento. Além disso, na semana passada, a presidente Dilma Rousseff criticou os níveis de spread. A seu ver, não há explicação para praticar taxas de juros tão elevadas no Brasil.
Compulsório
O economista membro do Conselho Federal de Economia (CFE) Roberto Piscitelli acredita que, como contrapartida para o sistema financeiro, o governo brasileiro tem grande espaço para reduzir o depósito compulsório, que hoje chega a 50% sobre os depósitos à vista. Em outros países esse percentual gira entre 5% e 10%. O especialista aponta que, embora o endividamento das famílias tenha crescido, as taxas de inadimplência para pessoa física (7,6% em fevereiro) não deveriam impedir a queda dos juros ao consumidor. “As taxas brasileiras não são assustadoras.” O economista acredita que, como os grandes concorrentes do setor privado são os bancos públicos, as instituições serão forçadas a praticar taxas menores ou vão perder clientes. “Está na hora de colocar em ação medidas como premiar os bons pagadores com taxas diferenciadas de juros.”
Para o professor de economia da Trevisan Escola de Negócios Alcides Leite, o lucro dos bancos – que ano passado novamente bateu no teto – não corre risco de encolher com a queda dos juros para as famílias. “As instituições continuarão ganhando muito, sobre uma base maior.” Ele explica que a redução das taxas na ponta do consumo cria um círculo virtuoso de mais crédito e menor inadimplência. Segundo o especialista, à medida que as questões macroeconômicas se resolvem, as atenções se voltam para a microeconomia. “Agora é importante aperfeiçoar medidas como o cadastro positivo.”
Fatura
Nessa terça-feira, além de apresentar uma longa lista de contrapartidas à equipe da presidente Dilma Rousseff, a Febraban pediu que o governo pague uma dívida de cerca de R$ 300 milhões com os bancos. De acordo com Portugal, o débito refere-se a um contrato firmado no ano passado para que as instituições financeiras recebam dos contribuintes os tributos devidos ao governo federal. Ele disse que, para cada Documento de Arrecadação Fiscal (Darf) pago nas agências, os bancos recebem uma tarifa que varia de R$ 0,40 (pagamento feito no caixa eletrônico) a R$ 1,39 (pagamento feito na boca do caixa). “Eles vão examinar a possibilidade de estabelecer um cronograma para o pagamento”, disse Portugal.
Ao chegar à sede do Ministério da Fazenda na tarde de ontem, o ministro Guido Mantega reagiu com ironia ao medido dos bancos. “Eu pensei que eles viessem trazer os R$ 300 milhões”, brincou. Além de colocar a fatura na mesa, Portugal propôs uma ampliação no recolhimento por débito automático.
Consignado fica com metade dos recursos
Dos R$ 71 bilhões que serão liberados pelo Caixa Melhor Crédito, programa de redução das taxas de juros lançado pela Caixa Econômica Federal (CEF), até dezembro, perto de 50% serão consumidos pelo crédito consignado. No país, a participação do empréstimo com desconto em folha consome cerca de 60% do volume das operações do tipo para pessoa física. Em fevereiro, segundo dados do Banco Central, o consignado abocanhou uma fatia correspondente a 58,7% do volume total de empréstimos. A Caixa anunciou queda de 34% na taxa anual da modalidade. Os novos percentuais, que desde segunda-feira estão em vigor no banco público, integram a política de redução dos juros para financiamento das famílias e das empresas.
Segunda-feira, a chamada taxa de balcão do consignado passou de 2,82% para 1,95% ao mês. Segundo a Caixa, para os convênios com empresas que operam com taxa mínima, os percentuais mensais também caíram, passando de 1,29% a 1,20%.
No crédito consignado para os aposentados e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a redução ocorreu na taxa máxima, que caiu de 2,14% para 1,80% ao mês. Nos prazos menores, a taxa mensal é de 0,84%. A medida tem intenção de atrair um mercado de ouro. As operações de crédito consignado realizadas pelos aposentados da Previdência Social somaram, no ano passado, R$ 28,4 bilhões no país, o que corresponde a 18% do total da modalidade. Em valores nominais (sem considerar a inflação), o resultado foi 5,97% maior que em 2010, quando foram liberados R$ 26,8 bilhões.
Além do crédito para desconto em folha, outros R$ 190 bilhões, ou 14% dos recursos da instituição pública, serão destinados às micro e pequenas empresas. O superintendente regional da Caixa, Rômulo Martins de Freitas, garante que a inadimplência da instituição deve permanecer abaixo da média do mercado, que exibe percentuais acima de 5% para pessoa física e empresas. “Temos uma política de crédito consciente e um modelo de risco bem rigoroso”, apontou. (MC)