O presidente da Bolívia, Evo Morales, nacionalizou ontem a empresa Transportadora de Eletricidade S.A., administrada pela Red Eléctrica Internacional, filial do grupo espanhol Red Eléctrica. Durante o anúncio em evento público na capital, La Paz, ele também ordenou às Forças Armadas a ocupação imediata das instalações da empresa estatizada. A medida ocorre apenas duas semanas após o governo da Argentina, aliado da Bolívia, apresentar ao Congresso plano para ampliar o controle estatal sobre o setor de petróleo e gás, começando com o confisco de 51% do capital da petroleira YPF nas mãos da também espanhola Repsol.
Morales tornou-se, assim, o par da presidente da Argentina Cristina Kirchner no seu tango de compasso nacionalista. Para encampar a YPF e a Red Eléctrica, os dois alegaram o mesmo motivo: o suposto baixo nível de investimentos das companhias. “Como justa homenagem a todo o povo boliviano que tem lutado pela recuperação dos seus recursos naturais e dos serviços básicos, nacionalizamos a transmissora de eletricidade”, discursou o presidente boliviano no Palácio Quemado, sede do governo.
Ontem ele também comemorou o sexto aniversário de nacionalização do setor de petróleo e gás, além de algumas empresas de eletricidade e de fundições, em 1º de maio de 2006. Naquela época, a Petrobras foi um dos alvos. Eleito há poucos meses, o presidente da Bolívia mandou à época o Exército invadir os campos de produção das empresas estrangeiras no país, entre elas a estatal brasileira, com a qual fechou acordo pouco depois.
Segundo analistas, o líder esquerdista de origem indígena tomou o novo lance estatista para driblar uma onda de protestos de sindicatos, que exigem reajuste salarial superior aos 8% oferecidos pelo governo. A Red Eléctrica tem participação indireta de 99,94% na Transportadora de Electricidad (TDE), que administra mais de 1,9 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia. Os 0,06% restantes pertencem aos trabalhadores da empresa.
Morales afirmou que a TDE, criada em 1997 durante a privatização do setor elétrico e que está sob controle da Red Eléctrica desde 2002, teria investido “apenas US$ 81 milhões nos últimos 16 anos”. Ele explicou que o decreto presidencial para nacionalizar as ações da transmissora busca fortalecer a estatal Empresa Nacional de Eletrificação (Ende), acrescentando ao seu comando a malha da Red Eléctrica, dona de 73% das linhas de transmissão.
Espanha busca apoio internacional
Diante do segundo golpe sobre os investimentos da Espanha na América Latina, a primeira reação do governo espanhol foi informar que estava apenas “coletando informações sobre os aspectos técnicos e diplomáticos” da decisão do presidente boliviano. A avaliação preliminar, contudo, era de que se tratava de um “caso bem diferente” da reestatização da argentina YPF.
A resposta oficial será dada pelo ministro de Relações Exteriores, José Manual García-Margallo, que também conduzirá a gestão diplomática da nova crise. A exemplo do caso argentino, o governo estuda pedir ajuda aos parceiros europeus para buscar apoio e a condenação internacional.
Apesar da nova etapa estatizante, o presidente boliviano tem evitado opinar sobre a decisão argentina de tomar o controle da YPF. “É um tema da Argentina e da Espanha”, disse ele um dia após a decisão de Cristina Kirchner.
Após a nacionalização do setor petroleiro, em 2006, e meses de duras negociações, 10 petroleiras estrangeiras, entre elas a Petrobras e a espanhola Repsol, que controlava 27% das reservas de gás bolivianas, firmaram acordos com o governo sobre as novas condições para operar no país. Só a estatal brasileira tinha investido mais de US$ 1,5 bilhão no país.
O grupo EBX, do empresário brasileiro Eike Batista, anunciou no fim de abril daquele ano sua saída da Bolívia, depois que Morales acusou a companhia de operar ilegalmente e ameaçou expulsar a empresa do país. Além de uma siderúrgica, o grupo deixou de construir uma termelétrica, em um investimento total de US$ 450 milhões.
Ex-dirigente do Movimento para o Socialismo (MAS) e líder dos produtores de coca, Morales, o primeiro índio eleito à presidência da Bolívia, havia anunciado várias vezes durante a campanha presidencial a sua intenção de nacionalizar o petróleo e o gás, alegando ser esta uma exigência expressa da população indígena. (SR)
O tango da Repsol
Há duas semanas, a presidente argentina Cristina Kirchner surpreendeu o mundo ao anunciar a expropriação do controle acionário de duas subsidiárias da espanhola Repsol. Sob a alegação de que o setor de hidrocarbornetos é de “interesse público nacional”, o governo federal confiscou 51% das ações da maior petrolífera do país, a YPF. Depois disso, o novo alvo foi a YPF Gás, distribuídora de gás butano e propano. “Essa medida não só é central para o abastecimento normal da indústria e da agricultura, como também garante o acesso a setores de baixa renda que não têm serviço de rede”, disse o decreto. O Congresso Argentino começa a debater a expropriação da YPF hoje votará a questão até amanhã. A expectativa é de que a medida seja aprovada pelos deputados.
A reação diante da reestatização da YPF foi imediata. De um lado, o presidente da Repsol, Antonio Brufau, disse que cobraria US$ 10 bilhões em indenizações. De outro, o vice-ministro argentino da Economia, Axel Kicillof, avisou que seu país não pagará a conta e afirmou que o seu governo estava cobrando uma dívida de US$ 9 bi da companhia espanhola.
A Espanha entrou na defesa da Repsol, mas até então só conseguiu aprovar a limitação das importações de biodiesel do país latino-americano. (Com Cristiane Bonfanti)